quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Em Portugal o ciclo da dívida repete-se… que mais se irá repetir?

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Gráfico _ Dívida Pública Portuguesa em % do PIB, 1850-2010

Fonte: 1850-1900: Neves (1994); 1900-1973: Mata e Valério (1994), 1974-2009: AMECOGráfico: Santos Pereira (2010)
(clique na imagem para aumentar)

Este governo vai legar-nos a maior dívida pública dos últimos 160 anos

Com este subtítulo, publicado por Alvaro Santos Pereira no seu blogue "Desmitos" em 3/10/2010, eis um interessante gráfico da nossa dívida pública (em % do PIB), desde 1850 até 2010.  Através dele é fácil analisar as oscilações da dívida ao longo destes últimos 160 anos. Mais fácil ainda é verificar o óbvio: - goste-se ou não, foi com Oliveira Salazar e o Estado Novo o único período em que Portugal saiu da crise. Foi com ele e durante toda a sua governação, primeiro como Ministro das Finanças (1928-1932) depois como Presidente do Conselho (1932-1968), que Portugal baixou de uns altíssimos quase 90% do PIB, herdados da Monarquia e não corrigidos pelos republicanos da I República, para pouco mais de 10% em 1974, ano em que, com a “abrilada”, se deu novamente início a uma subida imparável da dívida neste últimos 36 anos, chegando mesmo a ultrapassar os 90% em 2010.

Segundo a análise de Alvaro Santos Pereira,  "...contrariamente ao que é propagado pelo governo, a dívida pública nacional já estava em franco crescimento bem antes da crise financeira internacional de 2008 (...) Isto é, não foi a crise internacional que iniciou a espiral de endividamento do Estado. 

E mais adiante escreve, "...na sua ânsia de deixar obra feita a todo o custo e de "modernizar" o país com obras faraónicas, este governo cometeu o maior atentado geracional da nossa História recente.  Quem irá pagar as dívidas de toda esta irresponsabilidade serão os nossos filhos e as gerações futuras.  E quem irá lidar com este terrível legado serão os próximos governos, e, como é óbvio, os contribuintes."

Isto é extremamente grave.  E há que tirar as devidas conclusões.

Moral da história: - Este povo é sempre o mesmo.  Bravo nas coisas sem importância mas servil e pouco dado a bater o pé nas fundamentais; orgulhoso no supérfluo e no secundário mas parco na inteligência e de coração mole nas coisas essenciais, ele  aguenta e paga tudo sem tugir nem mugir.  De memória curta, ele desculpa e adora quem o explora.  Parece correr-lhe nas veias um sangue frio e sem cor - de lagartixa.  Seja ele mais culto ou iletrado, mais rico ou fossando na miséria, de barriga cheia ou morrendo de fome, o seu comportamento é sempre o mesmo:  - imbecilizado e subserviente.  De visão curta, ele está sempre pronto a seguir qualquer vendedor de ilusões ou da banha-da-cobra, na esperança de que alguma benesse acabe por cair-lhe no colo.  De bandeja!

E é deste povo, com traços profundos de chico-espertismo e sempre à espreita duma oportunidade de ganhar mais fazendo menos, que os mais canalhas de todos, os mais incompetentes e os mais oportunistas e desavergonhados saltam para a ribalta da política, tomando de assalto o poder de governar toda a outra massa amorfa e asinina.  Triste povo este.  Donde lhe terão vindo tais genes?  Que é feito daquele nosso ADN colectivo que por aqui andava ainda em 1640?...

A propósito deste tema e com ele interligado, reproduzo aqui uma crónica de factos históricos de José António Saraiva no jornal “SOL” em 5 de Outubro de 2010, e intitulada:

A república que produziu Salazar

Os republicanos não faziam a menor ideia do que era governar, criando todas as condições para o aparecimento de um Messias. As comemorações do primeiro centenário da República, em que esta é apresentada como a salvação de um país envolto no mais negro obscurantismo, criarão nos espíritos menos avisados a ideia de que a I República foi um mar de rosas. Ora não pode haver ideia mais enganadora. O regime republicano, em lugar de salvar Portugal, mergulhou-o numa crise profundíssima, criando todas as condições para o aparecimento de um Messias.

Os republicanos e os seus sucessores detestam Salazar.  Ora Salazar não surgiu do nada.  A subida de Salazar ao poder e o seu longuíssimo consulado explicam-se pelo estado desgraçado e caótico em que a I República deixou o país.  Do ponto de vista económico, do ponto de vista financeiro, do ponto de vista da ordem pública, do ponto de vista do prestígio do Estado, em suma, de quase todos os pontos de vista, a República foi uma autêntica calamidade.  Comecemos por um tema pouco abordado, até por ser incómodo:  - a violência.

A partir de meados do século XIX, a violência parecia definitivamente afastada da vida política portuguesa.  Depois das desgraças da guerra civil e dos tumultos militares da primeira metade do século, Portugal parecia ter entrado na rota da acalmia e do progresso.  Mas a República, de mãos dadas com a Maçonaria e a Carbonária, trouxe a violência de volta.

A coisa começou em 1908, com o assassínio do Rei e do príncipe herdeiro.  O 5 de Outubro nem foi violento - e a Monarquia caiu quase sem sangue.  Mas a partir de 1915 é que foram elas.
Nesse ano deu-se a revolta que depôs Pimenta de Castro e fez mais de 100 mortos, depois foi o atentado contra o chefe do Governo João Chagas, os assaltos aos estabelecimentos em Maio de 1917 que provocaram mais de 50 vítimas, a Leva da Morte, o assassínio de Sidónio Pais, a Noite Sangrenta com as suas rondas da morte e o massacre de alguns fundadores da República desiludidos com o regime, como António Granjo, Machado Santos e Carlos da Maia - isto sem contar com um sem-número de revoltas que provocaram mortos e feridos e em certos períodos atingiram um ritmo semanal.

E, como ponto alto deste período marcado pela violência civil e militar, temos a famosa carnificina da Flandres, que custou ao país 15 mil mortos de jovens na flor da idade, mandados para a frente de combate pelo fervor ideológico de Afonso Costa e seus companheiros.

Perante este quadro negro, o movimento militar de 28 de Maio e a ocupação do poder pela tropa, e sobretudo a subida de Oliveira Salazar à chefia do Governo seis anos depois, foram recebidos com um suspiro geral de alívio.  Finalmente o país tinha paz!

A República fundou-se em duas ideias, ambas erradas: -que as causas do atraso de Portugal estavam, em primeiro lugar, na existência de uma Monarquia, e em segundo lugar na influência da Igreja Católica.  Ora, que a existência de uma Monarquia não impedia o progresso, provava-o o facto de países avançados como a Inglaterra, a Bélgica ou a Holanda não precisarem de depor a Coroa para se desenvolverem.
Mas os republicanos só tinham olhos para França e acreditavam piamente que Portugal era atrasado porque tinha um Rei - o qual protegia os padres, que tinham uma influência nefasta sobre o povo.

Assim, a primeira coisa que os republicanos fizeram, depois de deporem a Monarquia, foi perseguir a Igreja, confiscar-lhe os bens, acabar com o ensino religioso e, de uma forma geral, afastar a Igreja Católica da área do poder e influência.  Só que, depois de terem feito tudo isso, os republicanos concluíram com angústia que o país não se desenvolvia, pelo contrário, definhava.  Ou seja, verificaram que o país não era atrasado por causa do Rei e dos padres mas por outras razões. 


A República fez com que Portugal se tornasse mais pobre porque o clima de instabilidade política e de violência assustou os industriais e os banqueiros, travando os investimentos e dizimando os poucos embriões de um Portugal moderno que existiam no princípio do século XX.
Na segunda metade do século anterior o país tinha conhecido efectivamente um certo desenvolvimento, tendo surgido um grupo de industriais e banqueiros com espírito capitalista - Alfredo da Silva, Burnay, Sotto Mayor, etc. - que prenunciava a entrada de Portugal nos tempos modernos. 
Ora estes embriões de um país desenvolvido foram dizimados no tempo da I República, levando o país a andar para trás.

Perante um quadro tão negro, Salazar, quando subiu ao poder, tinha tudo para vencer.  Bastava-lhe fazer exactamente o contrário do que fizera a República, ou seja: -restabelecer a ordem pública e a autoridade do Governo, equilibrar o Orçamento, normalizar as relações com a Igreja.
Salazar só não restaurou a Monarquia porque, embora monárquico, viu que isso não era decisivo e ia criar uma polémica desnecessária.  Além disso, Salazar percebeu que, à falta de uma classe empresarial, tinha de concentrar no Estado o desenvolvimento do país.  Finalmente, substituiu o internacionalismo republicano, assente em ideias importadas de fora, por um nacionalismo intransigente.

Com estas ideias e uma grande eficácia na acção, Oliveira Salazar teve logo de início um apoio popular enorme.  O que se percebe.  No próprio ano em que assumiu a pasta das Finanças (1928) equilibrou as contas públicas e recusou um empréstimo da Sociedade das Nações, considerando as condições humilhantes para Portugal.  Por isso foi designado o mago das Finanças .

E rapidamente restabeleceu a ordem pública, tornando Portugal de facto um país de brandos costumes.  É certo que o fez à custa de uma Polícia política execrável, da proibição dos partidos, da censura à imprensa e do mais que sabemos.  Mas, para termos uma ideia comparativa, durante o período que durou o Estado Novo foram mortos ou morreram na prisão 50 militantes do PCP (o partido mais fustigado pela PIDE).  Isto, note-se, em 48 anos.  Ora este número de mortos era frequentemente alcançado numa só noite nas constantes revoltas que marcaram o tempo da I República.

O prestígio de Salazar ainda aumentaria quando, no princípio dos anos 40, evitou a entrada de Portugal na II Grande Guerra.  Aí, tornou-se um Santo.  E, mais uma vez, fez o contrário do que tinham feito os republicanos: onde estes tinham mandado os soldados para a Flandres, mal equipados e pior armados para servirem de carne para canhão, ele seguiu o caminho oposto - e não só optou pela neutralidade como convenceu o vizinho Franco a fazer o mesmo.
E em plena guerra na Europa ainda arranjou forças para organizar em Lisboa a grande Exposição do Mundo Português (1940).

Da fugaz I República ficaram pois, quase exclusivamente, as boas intenções.  A intenção de educar o povo, de proteger o povo, de contar com o povo.  Mas esse mesmo povo abandonou a República no primeiro momento, talvez pensando que de boas intenções está o Inferno cheio.  Isto também explica que a República tenha durado uns escassos 16 anos, enquanto o período seguinte (1926-74, dominado por Salazar entre 1928 e 1968) durou uns longos 48 anos, ou seja, três vezes mais.

Tudo somado, pode dizer-se que a I República não deixou saudades.  E se hoje se comemora com tanto fervor é mais por razões ideológicas - e porque no poder está o partido que herdou a tradição republicana, o Partido Socialista - do que pelas virtudes que mostrou.

(Nota: - São meus os sublinhados e as ilustrações)
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10 comentários:

kakauzinha disse...

Já te tinha referido há tempos que José Hermano Saraiva relata estes factos na "História Concisa de Portugal". Creio que o sobrinho tenha ido beber à fonte. E é sempre salutar que se faça justiça num país em que a Justiça já se apagou há muito. O seu a seu dono e se Salazar fez, pois que seja reconhecido. Esta corja da revolução de merda não lhe chega aos calcanhares em coisa nenhuma, talvez ninguém lhe chegue enquanto eu for viva, infelizmente.

É por isso que continuo a ser do 24 de Abril porque depois disso muito pouco foi feito. Jamais me sentirei identificada com o símbolo de degradação e extrema vergonha que foi o 25, que com o passar dos anos fez de nós um país de esmolas e sem respeito. E não foi num país assim que eu nasci, nesse Portugal com muitos defeitos a ser corrigidos mas, ainda assim, com muitos mais valores.

Gostava muito de viver numa Democracia plena, construtiva, verdadeira e consciente e não nestas trevas em que mergulhámos. Mas continuemos expectantes porque sempre nos dá algum alento.

(*)

Milan Kem-Dera disse...

Como diz o ditado popular, a esperança é a última a morrer. Embora, e no que respeita a esperança, me pareça estarmos novamente a viver na esperança de um novo Messias.

Só falta agora saber como será o próximo... se ele se chamará FMI ou se terá nome de gente!
Mas, seja como for, o futuro será sempre negro, e o denso nevoeiro que paira sobre este país não deixa ver mais que um palmo - o dia seguinte!

(*)

Anónimo disse...

A dívida explodiu com a adesão ao Euro e, sem nos livrarmos dele dificilmente a controlamos...

Milan Kem-Dera disse...

Pode até ter contribuído, mas não é a única causa. Veja-se a inclinação da curva do gráfico de Santos Pereira: -a partir de 2000 tem exactamente a mesma inclinação que tinha até 1985; a interrupção desta linearidade no crescimento da dívida coincide com os anos da avalanche dos fundos vindos da europa.

Anónimo disse...

"mas não é a única causa"

Há sempre várias causas mas, neste caso creio que o Euro é
a principal causa e, entre outras coisas impede o Governo de a corrigir pois os instrumentos macro-económicos e financeiros que detinha passaram para as mãos de BCE e da Comissão Europeia.
Faça o Governo o que fizer, a dívida cresce.
Senão veja-se o caso grego que mesmo com um plano de empobrecimento geral draconiano, continua a endividar-se.

Milan Kem-Dera disse...

A sua análise incide particularmente sobre a falta dos mecanismos de correcção monetária para atacar os desvios económicos, já depois de verificado o descontrole.
Eu descarrego mais convictamente a culpa sobre as fases anteriores - as dos mecanismos que geraram o descontrole das contas públicas por parte de todos aqueles que não souberam (ou não quiseram) dosear as despesas em função das receitas. É essa a principal obrigação de um primeiro ministro - a de ser um bom gestor das finanças públicas. Tudo isto a par das previsões macroeconómicas a que está obrigado qualquer governo responsável que se assuma como tal. O que não foi o caso de nenhum dos governos dos últimos 25 anos, como sabemos, com especial incidência para este último.
Tudo gente incompetente que governou para si próprio e para os amigos; tudo gente que governou em função da clubite partidária; que governou um país e um povo com tal leveza como se de um jogo de poquer na mesa do café se tratasse. E o resultado é este.
Em 2005, um bom primeiro ministro ainda teria sido perfeitamente capaz de inverter toda a situação de crise já instalada desde 2000... nunca esta "coisa abjecta" que lá puseram. E ainda lá se mantém!

Anónimo disse...

"A sua análise incide particularmente sobre a falta dos mecanismos de correcção monetária para atacar os desvios económicos, já depois de verificado o descontrole."

Claro...
Mas mesmo antes o sistema instalado tende a provocar o descontrole dada a falta de instrumentos de governação nas mãos do Governo.

Como se sabe a taxa de desconto de um Banco Central, a longo prazo deve ser igual ao crescimento da economia.

Se for inferior, a economia embala, a inflação acelera e, ao fim de um certo tempo implode. Foram os casos da Grécia, Espanha e Irlanda.
Se for superior a economia entra em estagnação, a dívida dispara, etc., foram os casos de Portugal e da Itália.

Para remediar esta situação seria necessário um governo central com poderes que, pelo menos os grandes, não estão dispostos a ceder. E mesmo que estivessem, razões culturais e outras deviam acabar por impedir que o tal governo central funcionasse adequadamente e a contento de todos.

Assim estamos condenados à crise permanente. Claro que isso não irá acontecer, ao fim de algum tempo as populações revoltam-se.

Portanto ou se resolve rapidamente este assunto e a única solução que vejo é acabar com o Euro ou acabamos em guerra...

Milan Kem-Dera disse...

É isso. Sejam quais forem as razões, desembocámos num beco sem saída. Agora... uma de duas (ou ambas): ou acabamos com o euro ou acabamos em guerra.
Ou ainda uma terceira, já avançada velo Vasco Pulido Valente: a mudança de regime!

Anónimo disse...

" a mudança de regime!"

???? Acho piada a esta!
Mudança de regime? Salazarismo? Gonçalvismo?
Sim, o que é que se quer dizer com mudança de regime? Como não se sabe que fazer mudasse tudo a ver o que dá?
Primeiro gostava de saber o que é que se entende por mudança de regime...

Milan Kem-Dera disse...

Talvez não seja "mudar tudo", mas mudar muita, mas mesmo muita coisa que está mal!...

Mas talvez uma leitura mais atenta do que diz e como diz o Vasco P. Valente ajude a esclarecer esse ponto.

A propósito, já coloquei o artigo no último post.