domingo, 22 de janeiro de 2012

Vergonha na cara, sr. presidente! Perdeu-a ou nunca a teve?


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Cavaco não consegue viver com 10 mil euros por mês.
Há limites para a indecência

As crises servem para muitas coisas, até para descobrir as pessoas, o seu carácter e a forma como estão na vida.   A natureza humana revela-se sempre nestas alturas, no pior e no melhor.   Não há disfarces, maquilhagens, palhaçadas que resistam aos maus momentos, às horas do tudo ou nada ou mesmo de vida ou de morte.   Um comandante medíocre, cobarde, nunca é o último a abandonar o navio.   Um homem do mar a sério sabe que a sua missão é salvar os outros na hora da tragédia e nunca foge da sua ponte, do seu navio.   Fica até ao fim, com orquestra ou sem ela.   Portugal está a afundar-se.   Por erros e crimes praticados por muitos políticos e pelas suas políticas erradas e nada transparentes.   E por opções ideológicas ultrapassadas baseadas num Estado obeso, no investimento público e na presença fortíssima do Estado nos negócios e na economia.   E por empresários que só sobrevivem num mercado condicionado, sem concorrência a sério, encostados ao Estado e aos políticos do poder.   E também por sindicatos caducos, correias de transmissão dos partidos, sem ideias e incapazes de se adaptar às novas realidades e às exigências de uma economia aberta e global.   A economia está e estará em recessão, centenas de milhares de portugueses estão sem trabalho e metade dos desempregados não recebem qualquer subsídio do Estado.   A fome é uma realidade para muitas famílias e já nem as câmaras nem as instituições de solidariedade social têm meios suficientes para ajudar quem caiu, de um momento para o outro, na miséria.   Muitos cidadãos sem trabalho, qualificados ou sem formação, optam pela emigração para África, o Brasil, a Europa ou mesmo para o golfo Pérsico.   Os salários de quem ainda trabalha estão a ser cortados, os horários aumentam e muitas famílias, mesmo com empregos, têm dificuldades em honrar os seus compromissos mensais.

Pois bem.   É por isso que as pessoas se revoltam legitimamente quando ouvem falar em salários de 45 mil euros por mês na EDP.   É por isso que as pessoas não compreendem que os sacrifícios nunca atinjam a sério os mais privilegiados.   E é por isso também que não se pode aceitar que o Presidente da República diga aos portugueses que não consegue viver com 10 mil euros por mês.   As afirmações de Cavaco Silva são um insulto a milhões de portugueses.   As queixas do chefe do Estado são indignas do cargo que ocupa e devem merecer o repúdio de quem tem um pingo de vergonha na cara e conhece a forma como muitas famílias estão a lutar pela sobrevivência com pensões miseráveis e salários do terceiro mundo.   O Presidente da República tem repetido vezes sem fim que há limites para os sacrifícios.   Mas também é verdade que há limites para a indecência.   E neste mês de Janeiro de 2012, um dos piores anos na história do Portugal democrático, importa lembrar a Cavaco Silva que as suas palavras deixaram de ter qualquer significado e que as suas funções, para as quais foi legitimamente eleito por sufrágio directo e universal dos cidadãos, estão gravemente prejudicadas, mesmo feridas de morte, a partir de hoje.   Obviamente, senhor Presidente da República.

(António Ribeiro Ferreira, IonLine em 21 Jan 2012)

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