segunda-feira, 4 de agosto de 2014

NOVO BANCO... FRAUDE VELHA !






Portugal assistiu ontem a um evento raro.   O Banco de Portugal tentou convencer o país, — e o mundo financeiro —, da suficiência de um programa de resolução para o Banco Espírito Santo.   Uso a expressão “tentar convencer” sem segundas intenções:  sendo a confiança o elemento essencial na relação entre os clientes e o sistema bancário, o trabalho de um banqueiro central é sempre um trabalho de persuasão.

Como tal, só o tempo poderá dizer se o esforço de persuasão de hoje funcionou ou não.   Se nos próximos dias os depositantes do antigo Banco Espírito Santo, agora crismado de Novo Banco, não forem alarmados por novos esqueletos no armário, pode ser que o banco central consiga superar a primeira prova deste exercício de alto risco.   O resto é bem mais complicado e compete ao governo;   cá estaremos para ver se poderá cumprir-se a promessa de o caso BES não contaminar a dívida pública e não prejudicar os contribuintes portugueses.   A divisão do BES entre “banco mau” e “banco bom”, com todas as complexidades e incertezas que ela oculta, torna tudo isto muito duvidoso.

O governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, foi forçado a admitir que a gestão do Banco Espírito Santo foi muito pouco católica:  nos últimos tempos, e provavelmente bem antes disso, a administração do banco, e do grupo familiar em que ele se inseria, incorreram numa série de fraudes e ocultações.  Depreende-se claramente do que disse Carlos Costa que haverá responsabilidades criminais a apurar.  (podemos acreditar nisso???...)

Apesar do nome do “banco bom”, Novo Banco, ser uma ingénua tentativa propagandística para fazer crer às pessoas de que estamos a entrar num tempo de fazer tábua rasa, as fraudes do Banco Espírito Santo não têm nada de novo.

E é aí que houve algo de ainda mais extraordinário naquele momento extraordinário.  Carlos Costa confessou a inoperância das entidades reguladores perante o capitalismo financeiro conforme ele funciona hoje.   As fraudes do Banco Espírito Santo não têm nada de novo:  basicamente, dependem da utilização de jurisdições ocultas, empresas-veículo em paraísos fiscais, e um carrossel de operações entre todas elas. 

O sistema continua tão opaco quanto sempre.  Nada mudou.  E o governador do banco central confirmou que só quando o banco estoura é que se consegue levantar a ponta do véu.   A podridão do império BES ainda está por descobrir.

Posto desta forma, Carlos Costa não disse mais do que dizem todos os grandes críticos do capitalismo actual.  Só o disse de forma menos clara.  Os velhos vícios continuam intactos por debaixo dos “novos bancos”.

Há maneira de acabar finalmente com isto.  Separar bancos de investimento de bancos tradicionais.  Obrigar os bancos europeus a revelarem tudo o que fazem as suas subsidiárias.  Legislar, ao nível da União Europeia, no mesmo sentido dos EUA com a sua lei FATCA, que obriga todas entidades fiscais, coletivas ou individuais, a declararem os activos que detêm fora da sua jurisdição de origem.  E, finalmente, criar uma unidade especial de investigação ao crime financeiro e económico, sediada no Banco Central Europeu ou na Europol.


Tudo isto pode ser conseguido, mas não pelos governos que temos hoje.

(RUI TAVARES - Público - 04/08/2014)



domingo, 3 de agosto de 2014

O PIOR DOS PESADELOS...





Já ninguém está preocupado com a família Espírito Santo e poucos são os que se preocupam com o Governo, os partidos que o apoiam e o regulador.   A todos podemos substituir, mas a pancada que volta a sobrar para os portugueses vai doer muito mais do que é possível imaginar.  
Esses portugueses são pequenos accionistas, trabalhadores de empresas que acabarão por falir, que dependem de um sistema bancário que passa de bestial a besta e de uma economia que dava sinais de recuperação e que ameaça entrar novamente em depressão.   

Por muito que a elite pense que sim, a necessidade de o Estado intervir para salvar um banco que julgávamos salvo não é o problema maior.   
Este país não tem solução enquanto todos os poderes pactuarem com um sistema que favorece o enriquecimento ilícito, que julga na praça pública por ser incapaz de fazer justiça nos tribunais, que despreza a competência e aplaude o amiguísmo, que se mostra totalmente incapaz de promover a igualdade de oportunidades.  Um sistema que recicla os donos disto tudo, mas apenas para substituir uns pelos outros.

O capitalismo sem ética, a que aludiu o Papa Francisco como uma das principais chagas do mundo moderno, é que nos tem arrastado de desgraça em desgraça. Agora, que começávamos a pôr a cabeça fora de água, aproximando as nossas despesas das nossas receitas, podemos ter de começar todo o calvário de novo.   O pior é que muita gente, muita gente mesmo, não tem como aguentar nova tragédia que obrigue o Governo a cobrar mais impostos, a banca a reter capital e as empresas a despedir.

Tudo isto é mau, muito mau mesmo, mas ainda não é o pior dos pesadelos.   Imaginem que Ricardo Salgado, tocado pelas santas palavras do Bispo de Roma, resolve redimir-se do seu capital pecado e confessar o carácter diabólico que presidiu às suas relações nas últimas décadas.   É que não há banco do regime sem regime, nem regime sem titulares do poder, nem corruptores sem corruptos.  Nós sabemos como, entre as migalhas e os grandes banquetes, muita gente comeu à mesa do último banqueiro.

Se ele se confessa, o colapso que se abateu sobre a família Espírito Santo será de repercussões bem maiores, envolvendo outros banqueiros, empresários que foram apenas testas-de-ferro, milionários de toda a espécie, dezenas ou centenas de políticos, alguns jornalistas e magistrados...   Não faço ideia se ficaria pedra sobre pedra e até imagino que esta catarse deixaria mais feridas do que curas, mas, pelo menos, viveríamos na verdade.

Deve ser porque vejo muita gente com medo que Ricardo Salgado conte tudo o que sabe que este pesadelo parece real.   Ele, afinal, ainda tem muito poder.   A destruição criativa continua nas mãos deste homem.

(Paulo Baldaia, DN - 3/AGO/2014)