terça-feira, 5 de março de 2013

Prolongar o pagamento?! - nada de mais... nem sequer para agradecer!

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A memória da Alemanha é curta!

Albrecht Ritschl, professor universitário e investigador ligado ao departamento de História Económica da London School of Economics, entrevistado pela Der Spiegel, recorda que no século passado o governo germânico ficou insolvente três vezes e só foi salvo pelos EUA e pelos países europeus que aceitaram desistir de pedir reparações pelos prejuízos das guerras e ocupações.
 
A Alemanha hoje é apontada como um exemplo de estabilidade e prosperidade económica, mas os seus governantes parecem sofrer de memória curta, acusa o historiador, que lembra que essa estabilidade não existiria se não fossem os Estados Unidos, que lhe entregaram vastas somas de dinheiro, tanto depois da Primeira como da Segunda Guerra Mundial.   E também graças aos países contra os quais desencadeou uma guerra de aniquilação e extermínio e lhe perdoaram depois, totalmente ou em grande parte, as reparações de guerra.   Sem isso, o Wirtschaftswunder, o “milagre alemão”, não teria ocorrido.
 
Depois da II Guerra, iniciada por Berlim e conduzida como guerra de extermínio, os EUA, mais uma vez, deram passos para que não se repetisse a mesma situação do pós-Primeira Guerra e, assim, com poucas excepções, todos os pedidos de reparações por parte dos países ocupados e arrasados foram deixados de lado até que se verificasse a reunificação alemã.   Esta foi, recorda o economista, a base do milagre alemão.
 
Tudo isto ficou estabelecido no Acordo de Londres sobre as Dívidas Externas da Alemanha, de 1953.   Mas quando finalmente aconteceu a reunificação alemã, em 1990, o chanceler Kohl nem quis ouvir falar de reparações de guerra, apenas pagou aos prisioneiros forçados a trabalhar, e mesmo assim através de ONGs, para evitar a criação de precedentes.   “Foi um período de não-pagamento”, define o académico alemão.  (Esquerda.net)
 
Mas, revisitemos a História:
 
O Acordo de Londres de 1953

 
O Acordo de Londres de 1953 fornece um exemplo de alívio da dívida externa, vinculando o pagamento do desenvolvimento económico e as capacidades de exportação.   O acordo foi promovido pelos Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e outras nações, todos parecendo ter esquecido estes dias.

À primeira vista, poderia causar alguma surpresa o alívio da dívida obtido com o Acordo de Londres.   Ao renunciar à maioria de suas reivindicações contra a República Federal da Alemanha, as potências vencedoras da Segunda Guerra Mundial ajudaram um país que, há apenas alguns anos atrás, havia atacado e parcialmente destruído os seus próprios territórios.   A partir de uma perspectiva realista, no entanto, este acordo representa, não tanto um gesto de reconciliação com um velho inimigo, mas antes uma decisão política friamente calculada.   Através do alívio da dívida, os países credores procuraram ajudar a economia e a população alemã para reconstruir o seu país, estabilizar a sua democracia e a participar no comércio mundial.   Foram estas motivações políticas que levaram à renúncia extensiva de reclamações não canceladas, uma renúncia que, apreciada a partir da perspectiva contemporânea, foi muito além do que é estritamente necessário.

Além disso, houve uma outra consideração que aumentou o interesse dos países credores para aliviar amplamente a proporção das dívidas:   as suas exigências sobre a Alemanha após a Primeira Guerra Mundial tinham sido uma das razões para a instabilidade económica da República de Weimar, um dos factores que facilitaram a ascensão do nacional-socialismo e da tomada do poder por Adolf Hitler.

O tamanho da dívida em 1952

Após a Segunda Guerra Mundial, parte das dívidas contraídas no pré-guerra pela Alemanha permanecia em grande parte sem ser cancelada.   Tais obrigações não canceladas eram compostas, principaçmente, pelos empréstimos privados, pelos empréstimos Young y Dawes contratados para pagar reparações, pelos empréstimos obtidos depois da guerra e pelos empréstimos derivados do Plano Marshall.

Nos primeiros anos após a guerra, a Alemanha não foi capaz de pagar as suas dívidas, uma vez que tinha sido atingida pela guerra e a sua indústria tinha sido parcialmente desmantelada.   Em 1951, foi possível organizar um cancelamento parcial das dívidas da guerra com as três potências ocidentais aliadas.

A fim de poder chegar a um acordo abrangente, que contemplasse a renegociação de todas as dívidas anteriores e posteriores à guerra, as dívidas com os governos e bancos privados e as dívidas contraídas com investidores privados, foi estabelecida uma conferência central em Londres, desde 28 de fevereiro a 8 de agosto de 1952, com uma pausa de seis semanas.   A duração destas negociações indica quanta energia foi utilizada para encontrar uma solução.   No evento estiveram representantes de 20 países credores, do Banco de Compensações Internacionais e dos credores privados.

Os Estados Unidos eram a potência que impulsava tacitamente as negociações.    Entre os seus objetivos encontrava-se o evitar qualquer bloqueio do acesso alemão ao mercado monetário internacional, e que se gerasse um debate permanente e crescente em torno das dívidas antigas.   Procurava-se também perpetuar a dependência alemã dos empréstimos públicos provenientes dos Estados Unidos
A Alemanha recebeu uma primeira grande concessão quando se fixou o valor total da dívida a ser renegociada:    29.700 milhões de marcos, dos quais 13.600 milhões correspondiam a dívidas anteriores à guerra e 16.200 milhões aos créditos contratados após a guerra.

Assim, antes do início das negociações, tentava-se aliviar a Alemanha de todos os juros e juros compostos acumulados desde a suspensão dos pagamentos em 1934 e 1939, respectivamente.    Estimativas modestas, com base em uma taxa de juros de 5,5 por cento, isso significava que, indirectamente, a Alemanha seria perdoada, pelo menos, em 14.600 milhões de marcos (Hersel 1997).   De acordo com a delegação alemã, só para pagar as suas dívidas antes da guerra, a Alemanha Ocidental teria que gastar um montante anual de cerca de 1.500 milhões de marcos.   E isso aparecia como intolerável.

O Acordo de Londres

Ao contrário da maioria das conferências sobre dívida feitas hoje, a Conferência de Londres não pretendia apenas encontrar uma solução temporária para os problemas de liquidez, mas também especificava que o plano de liquidação deveria:

-  Tendo em conta a situação económica geral da República Federal e os efeitos das limitações na sua jurisdição territorial, não se deveria atrapalhar a economia alemã através de efeitos adversos indesejáveis sobre a situação financeira interna.    Também não se deveria esgotar indevidamente os recursos alemães, existentes ou potenciais, decorrentes do comércio exterior.   O arranjo não deveria aumentar significativamente a carga financeira de nenhum dos três governos.

-  Organizar uma solução ordenada global, e assegurar um tratamento justo e equitativo de todos os interesses afectados.

Para atingir estes objectivos, a ênfase não estava na obtenção dos pagamentos mais altos possíveis, mas antes na garantia da solvência da República Federal da Alemanha e, portanto, no seu posterior desenvolvimento económico e político.

Em concordância com isto, os países credores fizeram amplas concessões.   No decurso das negociações, a Alemanha recebeu um alívio de 50 por cento das dívidas, antes e depois da guerra.    O restante da dívida chegou a 14,450 milhões de marcos.    Na verdade, esse valor foi reduzido ainda mais - "2.500 milhões de marcos não foram considerados com interesse;   5.500 milhões tinham uma taxa de juros que chegava aos 2,5 por cento e, para 6.300 milhões de marcos, foi estabelecido um juro que, em média, variou entre 4,5 e 5 por cento.    Os juros compostos não foram levados em conta.   

Tudo isso teve uma influência decisiva sobre o cálculo da dívida restante porque, na maior parte dos valores ainda sujeitos a negociação, os juros não pagos eram maiores do que o capital a amortizar.    Decidiu-se que, durante os primeiros cinco anos (1953-1957), seria suspenso o pagamento das dívidas:   a Alemanha só deveria pagar anualmente apenas os juros correspondentes a 567.200 milhões de marcos.   Entre 1958 e 1978, seriam feitos pagamentos anuais de 765 milhões de marcos.

Foi ainda estabelecido um tribunal de arbitragem para o caso da economia alemã recuperar menos rapidamente do que o esperado, e de que a sua incapacidade de pagamento produzisse conflitos.

Os Países credores estavam conscientes de que, para poder pagar as suas dívidas, a Alemanha deveria alcançar um superávit comercial.    Assim, e para ajudar nos seus esforços, os credores impulsionaram políticas de liberalização comercial.   O seu objetivo era o de "permitir que a Alemanha pudesse cobrir as suas obrigações somente através dos seus excedentes de exportação;    ficava fora de questão que poderia esperar-se que cancelasse as dívidas, através de uma punição permanente sobre as suas reservas monetárias".

Apesar das amplas concessões feitas pelos países credores, existiram muitas vozes alemãs que consideraram que o pagamento de impostos eram intoleráveis.   O resultado das negociações foi veementemente criticado.   Os pagamentos estavam abaixo de cinco por cento das receitas de exportação.   Mesmo em 1952, os pagamentos previstos pelo Acordo de Londres chegou a 3,35 por cento das receitas de exportação alemãs, que representavam 16.908 milhões de marcos.    Devido ao forte aumento das exportações alemãs, que em 1960 ascenderam a 47.952 milhões de marcos, e que em 1970 representavam 125.280 milhões, esse percentual poderia ter-se reduzido até abaixo de um por cento se a Alemanha não tivesse começado em 1953 a transferir anualmente mais dinheiro do que estava obrigada.    Assim, e para os anos 60, com a excepção de pequenas quantidades remanescentes, todas as suas dívidas foram reembolsadas ​​antecipadamente.

Propósitos e consequências

Em suma, pode-se argumentar que os efeitos do Acordo de Londres foram plenamente alcançados.    Ao contrário das estratégias utilizadas durante a República de Weimar, não se verificou uma paralisia da política económica alemã;   o país concentrou-se na reconstrução económica, em vez impedir ou mesmo de causar a sua incapacidade de cumprir com o pagamento de impostos.

As dívidas restantes eram suportáveis ​​para a Alemanha e, portanto, facilitaram um planeamento financeiro coerente.   A República Federal da Alemanha tornou-se um devedor previsível no mercado monetário global, obtendo facilmente novos empréstimos;   a sua moeda manteve-se estável e, a partir de 1958, era livremente convertível.   Finalmente, as empresas estrangeiras poderiam antecipar o futuro desenvolvimento económico e de investimento na reconstrução da Alemanha.


Face ao exposto, torna-se evidente que o Acordo de Londres desempenhou um papel importante na reconstrução da Alemanha.   Através de uma renúncia abrangente de dívidas e juros não pagos, o acordo deu-lhe uma nova oportunidade para a economia alemã.

(Por Friedel-Adams Hütz - aqui) (Tradução e sublinhados deste blogue)

(Outras leituras Aqui e Aqui)

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