terça-feira, 12 de março de 2013

Passo a passo, Portugal está a viver em paralelo toda aquela "tragédia grega"

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Subitamente...  deixámos de ouvir falar da Grécia.   Subitamente...  toda a imprensa, rádios e televisões deixaram de dar notícias da Grécia e dos gregos.   Será que está tudo bem por lá?...   Ou será que um "muro invisível" se ergueu e isolou a Grécia do resto do mundo, como se de um parente leproso se tratasse?... 

Ou será antes que Portugal está a seguir, passo a passo, toda aquela "tragédia grega", e também sobre nós irá erguer-se o mesmo "muro da vergonha"?   A dura verdade é que as semelhanças e o paralelismo são arrepiantes.   E cá, como lá, não há fim à vista!!!   E cada vez menos!!!




A catástrofe grega:   "Progresso económico" construído sobre bases políticas podres
 
 
As três gerações de trabalhadores gregos


Quando a Grécia entra no sexto ano da pior depressão económica da Europa, com 30% da sua força de trabalho desempregada e mais de 52% da sua juventude sem emprego, todo o tecido social está a dilacerar-se;   a taxa de suicídios está a disparar e cerca de 80% da população caminha para o declínio.   As relações de família e inter-geracionais sofrem impacto profundo;   certezas anteriores evaporaram-se.   Incertezas, medo e cólera inspiram protestos em massa diários.   Mais de uma dúzia de greves gerais levaram os gregos, desde alunos da escola secundária até octogenários, a uma luta desesperada para conservar os últimos resquícios de dignidade e sobrevivência material.

A União Europeia e os colaboradores gregos pilharam o tesouro, cortaram empregos, salários e pensões, executaram hipotecas de habitações e elevaram impostos.   Os orçamentos familiares contraíram para a metade ou um terço dos seus níveis anteriores.

Num crescente número de famílias, três gerações estão a viver sob um mesmo tecto, mal sobrevivendo das pensões em redução dos seus avós: algumas famílias à beira da indigência.   A prolongada – nunca acabada e a piorar – depressão capitalista provocou uma ruptura profunda no ciclo de vida e nas experiências de viver de avós, pais e filhos.   Este ensaio será centrado nos avós, pais e filhos devido a maior familiaridade com as suas experiências de vida.

A ruptura inter-geracional pode ser melhor compreendida no contexto das "experiências de vida" contrastantes de três gerações.   O foco será sobre as experiências de trabalho, política, família e lazer.

Os avós
A entrada na União Europeia e o influxo em grande escala de "fundos de coesão social" levou a uma expansão do emprego no sector público e a um agravamento do clientelismo dos partidos políticos, estendendo-se bem além do existente em regimes de direita tradicionais.

Segurança de emprego, pensões e aumentos de indemnizações em caso de demissão criaram uma força de trabalho relativamente segura e estável excepto nos sectores manufactureiros, os quais foram prejudicados pelas importações dos "parceiros" mais industrializados da UE.

Os avós aderiram aos sindicatos, seus líderes negociaram salários e melhorias nos locais de trabalho e eles enfrentavam o futuro com relativo optimismo.   Uma reforma confortável, filhos mais bem educados, um modesto apartamento pago à vista e um pequeno automóvel.   Consideravam daí em diante desfrutar o tempo de lazer com a família, amigos e vizinhos.   Ou assim parecia na corrida para a Catástrofe Grega de 2008.

O  progresso económico da Grécia foi construído sobre fundamentos apodrecidos – sobre empréstimos da UE que foram assegurados através de contas fraudulentas, de um tesouro público pilhados por cleptocratas de dois partidos e por "investimentos" públicos improdutivos em grande escala, actividades clientelistas com "parceiros" de negócios corruptos.   Numa palavra, os "anos dourados" da reforma confortável dos avós estavam baseados na ilusão de que um meio século de trabalho e avanços sociais traduzir-se-iam numa respeitável vida digna.

Os pais
Os pais nasceram urbanos, melhor educados que os avós e altamente influenciados pelo espírito de consumo que permeava a Grécia.   Eles entraram no mercado de trabalho no princípio da década de 1990.   Viam-se como mais "europeus", menos nacionalistas, tinham menos consciência de classe e estavam menos envolvidos em lutas sociais do que a geração anterior.   O interesse no desporto e em celebridades e o seu próprio avanço social impediam qualquer empenhamento nas grandes lutas sociais dos avós.   Eles experimentavam elevações salariais através de negociações do topo para a base.   Não davam qualquer atenção ao grotesco enriquecimento da cleptocrática elite política socialista e ignoravam as dívidas crescentes, tanto pessoais como públicas, que "financiavam" suas férias além-mar, a segunda casa e os carros alemães importados.   Pagavam generosamente explicadores para prepararem seus filhos para o exame de entrada na universidade.   O seu futuro estava assegurado pelos sempre optimistas dados (falsificados) do governo e as avaliações positivas de peritos da UE.   Os sindicatos e associações empresariais centravam-se exclusivamente nos aumentos correntes de salários, rendimentos, crédito barato e acesso aos mais recentes brinquedos tecnológicos.
Com o início da Catástrofe Grega, os pais perderam tudo – empregos, segurança social, casas, carros e férias.   Os "europeístas" entre eles subitamente tornaram-se críticos violentos dos euro banqueiros – "a Troika" –, os quais determinavam que os pais deveriam sacrificar tudo o que possuíam a fim de salvar os dominadores cleptocráticos, os evasores fiscais milionários e os banqueiros endividados.   A catástrofe económica gradualmente corroeu e finalmente estilhaçou a consciência consumista de "europeu moderno" dos pais da classe média e trabalhadora em processo de ascensão social.

Primeiro sofreram sucessivos cortes salariais e a então perderam sua segurança de emprego, seguida por despedimentos maciços com e sem indemnização.
Desalento, medo e incerteza foram seguidos pelo reconhecimento de que estavam a enfrentar o pelotão de fuzilamento financeiro.   Eles perceberam que estavam aprisionados numa queda livre sem fim.   Foram às ruas e descobriram que toda a sua geração e toda a sua classe fora erradicada e descartada.   Os pais descobriram que eram inúteis e tinham de marchar e lutar para reafirmar a sua auto-estima.

Os filhos
A vasta maioria dos filhos está desempregada.   Mais de 55%, no princípio de 2013, nunca teve um emprego.   A cada dia e semana os seus números crescem quando famílias inteiras são empobrecidas e lares se desintegram.   O comparecimento à escola caiu, pois as perspectivas de emprego desaparecem e o espectro do desemprego a longo prazo em grande escala assombra a vida diária.   As perspectivas de estabelecimento de casais estáveis e novas famílias entre os jovens são não existentes.

Muitos, com quase 30 anos, nunca tiveram um emprego, nunca saíram da casa dos seus pais ou avós e não podem considerar um futuro casamento ou família.   A falta de experiência de trabalho significa uma falta de local de camaradagem e de sindicalização.   Em vez disso está a centralidade do informal, a solidariedade entre iguais.   As perspectivas de trabalho centram-se na emigração, atropelarem-se por um miserável biscate ou aderirem à luta.   Hoje eles vagueiam pelas ruas com cólera, desespero e frustração profunda.

 
Os avós:  a herança radical
Com o início da Catástrofe Económica em 2008 e os cortes sociais selvagens implementados pelo absolutamente inepto, corrupto e reaccionário George Papandreu Jr., os avós sentiram as primeiras ondas de choque de instabilidade e a ameaça de perderem suas pensões de reforma.   Em 2010, os avós abandonaram totalmente seu apoio ao PASOK.   Revelações de corrupção e o corte de pensões em 35% levaram os avós às ruas em protestos maciços.   Posteriormente, uma maioria votou pelo novo partido de esquerda SYRIZA.

Os avós fecharam o círculo.   A re-radicalização acompanhou o retorno do domínio autoritário da direita sob os ditames coloniais da Troika europeia.

Mas agora as pensões dos avós tinham de suportar três gerações. Mais uma vez, a busca de uma novo partido político é tão urgente quanto durante o período imediatamente após a queda da junta militar.

Os pais:  a política da mobilidade


Quando a crise económica os atingiu, os pais foram apanhados desprevenidos.   A princípio, eles racionalizaram isso, esperando que "a crise" fosse temporária, que novos empréstimos fluiriam para o resgate;   que eles – especialmente aqueles no sector público – não seriam afectados.   Como a Catástrofe prosseguiu, os pais abandonaram a sua apatia e indiferença.   Decisões políticas agora afectavam os seus salários, os seus benefícios sociais e a sua capacidade para pagarem as suas hipotecas e dívidas de cartões de crédito.   A conformidade cínica foi substituída, a princípio, pela incerteza e ansiedade.

Quando o regime PASOK reduziu o boom e terminou nos despedimentos maciços de trabalhadores do sector público e reduções salariais, os pais primeiro protestaram em vão junto aos "seus" líderes e então puniram-nos através da urna eleitoral.   A maior parte virou-se para a esquerda, juntando-se ao SYRIZA, na esperança de recuperar o passado assim como de construir um novo futuro socialista.

Os filhos:  a política de nenhum futuro


Os filhos chegaram à idade política sem terem experiência anterior de luta ou de mobilidade ascendente.   Eles estão cravados na base ou em descida perpétua.   Nunca tendo um emprego ou qualquer oportunidade, eles agem para afirmar a sua existência, a sua presença e a sua capacidade para actuar na sua vida diária contra a corrente após a onda de assaltos selvagens patrocinados pela UE.   Eles juntaram-se aos seus pais e avós nas enormes manifestações:   solidariedade inter-geracional.

Mas só eles carregam o fardo de nunca terem sido membros de um partido político ou sindicato e nunca terem experimentado "a boa vida".   Nunca receberam empréstimos ou favores políticos, mas deles se espera que agora sacrifiquem o seu futuro a fim de enriquecer os credores, os evasores fiscais e os cleptocratas.   A sua visão política radica no reconhecimento de que toda a classe política está apodrecida;   eles têm as suas próprias dúvidas acerca daqueles políticos que abandonaram o PASOK, juntaram-se ao SYRIZA e agora clamam serem os seus salvadores.

Eles viram as costas àqueles filósofos políticos académicos e jornalistas que falam uma linguagem e elaboram um discurso totalmente divorciado da sua experiência diária.
Alguns filhos acreditam que só aqueles que atiram um cocktail molotov podem trazer alguma luz temporária no túnel negro da sua vida diária.   Os filhos mais combativos empenham-se no combate de rua e aderem ao bloco negro.   Os menos audaciosos esquadrinham a Internet em busca de meios para se relocalizar, para emigrar. Raciocinam que seria melhor emigrar para os centros imperiais do que sofrer uma vida inteira nesta colónia devastada e pilhada.

Os maiores vigaristas não roubam um banco, eles possuem um – disse um estudante de filosofia numa multidão de filhos quando demonstrava como fazer um cocktail molotov.
Os filhos são um exército crescente de desempregados e amadurecem rapidamente.   Hoje estão dispersos.   Alguns querem sair – deixar a Grécia...   Mas a maior parte permanecerá...   Será que se organizarão e moverão para além da actual oposição eleitoral e moldarão um novo movimento radical rompendo com o apodrecido sistema eleitoral repressivo?
Poderão eles tornar-se os militantes de um novo movimento de resistência heróica?   Aquele cujo neto escalará as paredes do Parlamento e desafiará os colaboradores coloniais e os seus mestres da Troika.

Quem irá arvorar a bandeira de uma Grécia livre, independente e socialista?
(por James Petras 03/Março/2013)
(artigo completo em  http://resistir.info)
 

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