sábado, 13 de abril de 2013

Um cenário... apenas um exercício de ficção (bem real) sobre a saída de Portugal do euro!...

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Cuidado!  Muito cuidado com os nacionalistas visionários que advogam a saída do euro! 
 
Uma sexta-feira à noite...
 
Suponhamos que o governo decidiu sair do euro e ressuscitar o escudo.    Mandou por isso imprimir em segredo as notas de escudo e prepara-se para anunciar a novidade, numa sexta à noite, à hora do telejornal, quando os bancos já estão fechados  (ou decreta um feriado bancário durante vários dias).    Nesse fim-de-semana, todos os bancos fazem horas extraordinárias para distribuir as notas por todos os multibancos, para que a nova moeda possa entrar imediatamente em circulação.
 
O que vai acontecer é que toda a gente vai descobrir que se prepara a nova moeda.    Esta operação de lançamento do escudo envolve milhares de pessoas, que transportam e distribuem as notas, e eles vão contar às suas famílias.    E, de qualquer modo, toda a gente assistiu nas semanas anteriores a declarações dos ministros a explicar que isto vai muito mal e precisamos de decisões muito corajosas para salvar a Pátria em perigo.    Em resumo, toda a gente percebeu o que vai acontecer.
 
O que farão então as pessoas?    Não é preciso adivinhar:    vão a correr aos bancos levantar todas as suas contas e guardar as notas de euros.    Se não o fizerem, todas as suas poupanças vão ser transformadas em escudos, a um valor nominal que cairá com a forte desvalorização que, afinal, é o objectivo desta operação.    Os trabalhadores que depositaram salários e poupanças vão ser as primeiras vítimas da nova política.    E por isso vão tentar salvar o que puderem.
 
Ora, os bancos não querem nem podem pagar aos clientes todos os seus depósitos, simplesmente não têm o dinheiro para isso – nem há notas suficientes para cobrir toda a massa monetária líquida que existe em Portugal  (a massa monetária é a soma das notas e moedas em circulação com os depósitos nos bancos, e os bancos não guardam todo esse dinheiro, porque emprestam grande parte dele).    Os bancos vão por isso fechar as portas quando se generalizar o alarme, e o governo vai chamar o exército para guardar os edifícios.    Foi assim na Argentina ou na Rússia, foi assim em todos os casos em que se anunciaram grandes desvalorizações  (e nem se tratava de sair de uma moeda e criar outra, o que nunca aconteceu na história da União Europeia).
 
Os nacionalistas, que propuseram a saída do euro, começam agora a ter a primeira dificuldade.    É que vão defender o exército e os bancos contra a população.    E vão ter de fazer a sua primeira vítima, os depositantes nos bancos.    A conta é fácil:    se a desvalorização for de 50%, as poupanças e depósitos vão perder metade do seu valor.
 
O milagre das exportações

Passou assim o primeiro choque.    Mas vem aí mais, e pior.    O escudo desvalorizou então 50% em relação ao euro.    O governo aposta nessa desvalorização para recuperar a economia e espera que o efeito benéfico seja o seguinte:    as exportações aumentam porque se tornam mais baratas em euros e dólares, enquanto as importações diminuem porque se tornam mais caras em escudos.    Assim, haverá uma deslocação de capital para as indústrias e serviços exportadores e uma redução do consumo e das importações.    Tudo isto melhora substancialmente a balança de pagamentos.    A regra é esta:    se a vida melhorar para Américo Amorim, o dono da maior multinacional industrial portuguesa, ou para outras empresas exportadoras, melhorará também para toda a economia.
 
Parece conveniente, mas é um problema.    É que, com a desvalorização, o preço dos produtos importados aumenta no mesmo dia.    O combustível passou a custar uma vez e meia o seu preço anterior  (e todo o sistema de transportes também), e o mesmo acontece com os alimentos importados ou com os medicamentos, entre tantos bens de primeira necessidade.   Como dois terços do rendimento dos portugueses é para o consumo corrente, imagina-se o efeito imediato destes aumentos de preços no salário.
 
Quanto às exportações, sim, vão aumentar, desde que os compradores no estrangeiro queiram comprar mais em função da redução do preço  (e desde que não haja recessão no estrangeiro, e que os produtos portugueses correspondam a mercados com procura crescente, e que as suas características acompanhem as exigências dos consumidores estrangeiros, etc.).    Talvez aumentem.    Se aumentarem, será em todo o caso devagar:    as receitas das vendas só entram quando se fizerem as vendas, e é preciso esperar o tempo da produção – e é preciso ter dinheiro para investir.    Depois, o que Portugal exporta inclui o custo da matéria-prima e outros produtos que são importados, que são mais de metade do valor das exportações, e que ficaram mais caros.    Por isso, as receitas das exportações aumentam pouco, devagar e mais tarde.
 
A dívida dos bancos duplica a dívida pública

Chega depois o segundo choque.    Metade das famílias portuguesas tem uma longa dívida ao banco, que lhe emprestou dinheiro para comprar a casa.    Emprestou em euros e deve em euros aos bancos estrangeiros, mas vai receber em escudos dos devedores em Portugal.
O banco perdeu assim metade do valor dos seus créditos.    O banco vai por isso à falência.    É por isso que os defensores da saída do euro explicam, honestamente, que será necessário nacionalizar todos os bancos, não tanto para socializar o capital financeiro, mas antes para o salvar.    E salvar um banco pode custar muito caro, como já sabemos pelo caso BPN.    Porque, quando se nacionaliza um banco, fica-se com as suas dívidas, que são dívidas a quem nele depositou e dívidas a quem lhe emprestou dinheiro, normalmente a banca estrangeira.
 
Salvar os bancos tem um custo, e não é pequeno:    a dívida pública portuguesa duplica imediatamente com as dívidas dos bancos, que antes eram privadas e passam a ser públicas porque foram nacionalizadas.
Chegados aqui, já sabemos o que se vai passar:    os nacionalistas vão propor um aumento de impostos para pagar as dívidas da banca ao estrangeiro, isto é, para financiar a banca internacional.
 
Mais impostos
 
Voltemos agora aos problemas que os nacionalistas estão a viver no apoio ao governo que decidiu a saída do euro.    Já têm contra si quem vai pagar mais impostos, viu multiplicar as suas dívidas, paga mais pelos alimentos, transportes e medicamentos, ou perdeu parte das suas poupanças e depósitos.
Com tudo isto, os trabalhadores depressa perceberão que perderam parte do seu salário  (ou da sua pensão), e que o esforço orçamental não diminuiu  (pelo contrário, agravou-se, pois a dívida vai ser paga em euros mas os impostos são recebidos pelo Estado em escudos, e são precisos cada vez mais escudos por cada euro), e a saúde e a educação têm novos cortes.
 
Por outras palavras, os nacionalistas que defendem a saída do euro meteram-se numa alhada.    Os que diziam que queriam impedir a austeridade, acabam a propor um sistema de mais austeridade, toda orientada para o benefício de um sector social, a indústria exportadora, e promovem a queda dos salários e das pensões.    Não resolveram nenhum problema e criaram novas dificuldades.    E perdem o respeito dos trabalhadores, que estão a ser prejudicados.
 
(Por Francisco Louçã (economista), artigo completo em Esquerda.net)
 

 

3 comentários:

Anónimo disse...

Infelizmente este sr. Inteligente tem um assessor trilateralista. Mesmo sem sairmos o grosso do wue aqui é dito, vai acontecer na mesma e é preferível dar uma machadada no banco mafioso europeu e ganhar alguma liberdade jurídica, para tentarmos desmanchar a verdadeira realidade do que está por trás do Euro e desta Europa sinistra. Fora, mesmo que perca dinheiro, fora é preferível.

RAMIRO LOPES ANDRADE disse...

Caro Milan Kem-Dera

Toda a sua análise é coerente.
Mas deixe-me fazer uma observação.

Quando o banco de Portugal recolher os euros na banca, irá amealhar 180 mil milhões de euros, que são os depósitos que existem em Portugal.

Se os governantes fossem inteligentes ( coisa que já demonstraram que não são ), pegariam em 120 mil milhões de euros, e saldariam uma parte da dívida externa que é de 210 mil milhões.

Com os restantes 60 mil milhões de euros, apoiariam a economia portuguesa, e exigiriam o reescalonamento da restante dívida em 50 anos, com juros de 3% ao ano.

É claro que quem estaria a pagar isso eram os depositantes com a desvalorização de 70% da moeda.

Isso sem contar com a possível revolta da turba nas ruas.

Portanto Milan, faltou na tua analise para onde iriam os 180 mil milhões da banca.

Cumprimentos

Ramiro Lopes Andrade

Milan Kem-Dera disse...

Caro Ramiro!

Esta análise não é minha, mas do Francisco Louçã. Todavia, concordo em absoluto com ele.
Mas também concordo que este é um assunto tremendamente difícil de resolver agora. Passar do escudo ao euro foi uma festa!!! O reverso, se acontecer, irá gerar tão grandes convulsões financeiras e sociais que não me admiraria nada que resultasse em qualquer coisa semelhante a uma guerra civil.

Espero bem que tal nunca aconteça. A ter de acontecer alguma saída do euro, então que saia a própria Alemanha, como aliás já vem sendo advogado em muitos círculos político/económicos, não só europeus mas até mesmo mundiais.

Um abraço