segunda-feira, 3 de maio de 2010

Pela sua bitola... ou talvez, sem bitola nenhuma!

Pela sua bitola

Daniel Oliveira (in www.expresso.pt)
Segunda-feira, 3 de Maio de 2010

Sócrates escolheu os desempregados para cordeiro da crise. Não fez contas e explicou que os cortes no subsídio são "o incentivo certo para trabalhar". Julga que 700 mil desempregados vivem de esquemas.

Quando foi preciso mostrar um cordeiro para o sacrifício, os escolhidos foram os desempregados. Os mercados querem ver sangue, dizem os entendidos nestas coisas de talhantes. E nada melhor do que os que perderam o emprego para a função.

Na última sexta-feira, no Parlamento, quando lhe foi perguntado quanto pouparia com os cortes do subsídios de desemprego que tão orgulhoso decidiu antecipar, Sócrates embatucou. E depois lá disse: -não há estudo nenhum. Assim, sem qualquer ideia do impacto que a coisa terá, degrada-se ainda mais a vida de quem já a tem desfeita.

Depois de confessar a ligeireza, José Sócrates tinha de dizer alguma coisa. Saiu-lhe uma frase que faria corar de vergonha o senhor Paulo Portas: "há pessoas no desemprego que precisam de ter o incentivo certo para trabalhar". Ou seja, quem está desempregado tem nestes cortes um incentivo para sair da boa vida que leva. Os empregos estão aí, e há 700 mil portugueses (acreditando nos sempre optimistas números oficiais) que só não trabalham porque não querem. Vale a pena ver alguns dos trabalhos e respectivas remunerações que o Estado publicita nos seus sites para perceber como há quem se aproveite da desgraça alheia.

É quando perde o guião, que José Sócrates diz o que realmente pensa. E o que pensa podia ser dito por um qualquer oportunista que nunca perdeu um segundo a pensar nas razões que o levaram a militar num partido que se chama "socialista". Podia dizer que o seu raciocínio é de direita e que o facto de ter, na mesma intervenção, falado da "esquerda moderna", só demonstra até onde pode ir o cinismo. Mas não é isso.
Na verdade, Sócrates não faz a mais pálida ideia do que seja ser de direita ou a de esquerda. É um homem sem valores políticos e sem raízes ideológicas. Um autoritário que por ser autoritário aparenta ter convicções. Não tem nenhuma.

Mas o mais grave não é o vazio ideológico. É a insensibilidade e a ignorância. Um primeiro-ministro que diz, num país onde todos os dias mais gente se vê na total incerteza em relação ao seu futuro, uma frase destas não merece perdão. Ao pé do que isto revela, pequenos e grandes casos que envolveram o seu nome são irrelevantes. E é a ignorância (naquilo que ela tem de mais profundo) de quem está convencido que a maioria das pessoas não tem brio e não se importa de se socorrer de esquemas para se safar na vida. Compreende-se que assim pense. Todos temos uma certa tendência para avaliar a vida dos outros pela vida que tivemos.
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Comentário: -esta medida seria muito mais eficaz se, em vez de retirar apenas 25%, tivesse retirado tudo. Assim, talvez os 700.000 desempregados decidissem, finalmente, ir ocupar aqueles 150.000 postos de trabalho tão prometidos pelo PM nas legislativas de 2005!...  

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