segunda-feira, 6 de maio de 2013

PODE UM HOMEM SOZINHO DAR CABO DE UM PAÍS ?

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Pode, se o deixarem à solta:   é o que Vitor Gaspar está há quase dois anos a tentar fazer a Portugal.    

Ele dará cabo do país e não deixará pedra sobre pedra se não for urgentemente dispensado e mandado regressar à nave dos loucos de onde se evadiu.    Já suportámos tudo a Vitor Gaspar:    nove trimestres consecutivos de previsões sucessivamente falhadas;   erros de avaliação de uma incompetência chocante;   subidas de impostos que conseguiram o milagre de fazer cair a receita fiscal;    meio milhão de novos desempregados em menos de dois anos e milhares de empresas chutadas para a falência;   cortes cegos em tudo o que estava em marcha para mudar o nosso paradigma de país subdesenvolvido – como a aposta na investigação, na ciência, nas novas tecnologias, nas energias alternativas;   um despudor e uma arrogância a corrigir os erros cometidos com novos erros idênticos, que, mais do que teimosia e obstinação suicidárias, revelam sim o desespero de um ditador intelectual perdido no labirinto da sua ignorância.    

Gaspar não sabe como sair do desastre em que nos meteu e, como um timoneiro de uma nave em rota de perdição, ele não vê nem passageiros nem carga, ou empregos e vidas a salvar:    prefere que o navio se afunde com todos a bordo e ele ao leme.    Sem sobreviventes nem testemunhas.

Vendo-o na sua última aparição pública, a dar conta das linhas orientadoras do DEO, percebi que ele já não tem rumo nem bússola.    Nem sequer tem linhas orientadoras da estratégia orçamental ou do que quer que seja.    Apenas tem um número, que, aliás, vai sucessivamente engrossando à medida que o desastre se vai tornando cada dia mais nítido:   1,3 mil milhões, 4 mil milhões, 6,5 mil milhões.   Cada nova previsão falhada, cada novo erro de avaliação por ele cometido, tem como consequência não um pedido de desculpas ou a promessa de se render e arrepiar caminho, mas antes a ameaça de mais e mais sacrifícios sobre uma economia e um povo exauridos.

Afinal, anuncia ele agora, a recessão não vai inverter-se no final deste ano, como previra, mas só lá para 2015 ou 16;    afinal, o “desemprego ainda vai subir antes de começar a descer” daqui a uns dois anos, talvez;    afinal, a “sustentabilidade das contas públicas”, que nos diziam iminentemente assegurada, vai exigir “sacrifícios para uma geração.     Mas o que mais me choca ainda é o tom nonchalant com que  debita as novas ameaças, como se, milhão a mais ou milhão a menos, dois anos a mais ou dois anos a menos, não fizesse grande diferença nas vidas concretas de gente concreta, destruídas a mando da sua incompetência.

Sim, incompetência:   porque o mais extraordinário de tudo é pensar que Vitor Gaspar impôs ao país uma política de austeridade suicida que o conduziu a uma das maiores recessões da sua história e sem fim à vista e, em troca, não conseguiu as duas coisas que ele e os demais profetas da sua laia de fanáticos juravam ir alcançar sobre as ruínas do país:    nem fez a reforma do estado nem controlou o crescimento da dívida pública – pelo contrário, perdeu-lhe o controlo.    Mas para onde foram os 24.000 milhões de euros que as políticas de austeridade de Vitor Gaspar roubou à economia, às empresas e aos trabalhadores e pensionistas, neste dois anos?   Sumiram-se para onde, serviram para quê?

Incompetência, porque tudo aquilo que Vitor Gaspar sabe fazer e faz, qualquer merceeiro, sem ofensa, sabe fazer:    contas de somar e subtrair.   Agora faltam-lhe 6,5 mil milhões?   É fácil de fazer, basta agarrar numa caneta e num papel.
Ora vejamos:   conta de subtrair – tiram-se 2 mil milhões aos pensionistas e 3 mil milhões aos salários dos funcionário públicos.   Temos 5 mil milhões, falta 1,5.   Conta de somar – aumenta-se o IRS (o único imposto que ainda garante retorno acrescido na receita fiscal).   Aí estão os 6,5 mil milhões – a “reforma do Estado”

Mas alguém lembra então a Gaspar que isto vai significar menos consumo privado, e que menos consumo significa mais falências, mais desemprego, mais subsídios de desemprego a pagar.    Contrariado, Gaspar volta a agarrar na caneta e desenha nova “medida de estratégia orçamental”,  ou seja, nova conta de subtrair - tira-se meio milhão às verbas do subsidio do desemprego.     E quando alguém lembra ao ministro que o subsídio do desemprego já foi reduzido na sua duração a um paliativo mínimo e as suas regras de acesso, de tão restritas que são, apenas abrangem 45% dos desempregados, Gaspar responde:    “Então por isso mesmo, e, aliás, em obediência ao princípio da igualdade, diminui-se a prestação aos que a têm”.

É assim que Vitor Gaspar governa o pais, perante a aquiescência do primeiro-ministro e a cumplicidade do Presidente da República.    

Eles sustentam que tudo fará sentido e valerá a pena no dia em que Portugal regressar aos mercados.     Não é um sonho, é um delírio:    quanto mais o PIB cai mais sobe a divida pública, calculada em percentagem do PIB.    E, quando olharem para nós, sem a “protecção” da troika, o que irão os mercados ver?    Um país em recessão permanente, com a divida sempre a subir e  governado por Passos Coelho e Vitor Gaspar.    Em que filme de aventuras é que eles aprenderam que um país assim é salvo por filantropos?     Não, Gaspar não nos vai levar de volta aos mercados, a não ser em condições de estertor final:     ele vai é levar-nos de volta a um novo resgate.     E esse vai fazer-nos retroceder cem anos.

Há alternativa?   Há, tem de haver.    É isso que o novo primeiro-ministro italiano, Enrico Lette, anda a dizer pela Europa fora:     tem de ser possível fazer a reforma financeira dos Estados e fazer aceitar os sacrifícios necessários para tal,  desde que, em contrapartida, tudo o que os governos tenham para oferecer, não seja uma geração de sacrifícios, como anuncia displicentemente Vitor Gaspar.    Porque, como disse Lette, aquilo que não faz sentido e é intolerável é continuar com políticas que geram taxas de desemprego de 15, 20 e 25%  e de desemprego juvenil entre 30 a 50%.     Pode ser que na nave dos loucos onde se produzem génios da dimensão de um Vitor Gaspar, se tenha congeminado a tese final do capitalismo triunfante:   uma economia sem trabalho e sem trabalhadores.     Às vezes dá-me mesmo a ideia que sim, mas é preciso que a loucura deles seja da estirpe mais perigosa de todas para imaginarem que a Europa e qualquer uma das suas nações sobreviverá assim e pacificamente.

Mesmo com um Governo italiano arrastando ainda e uma vez mais o fantoche de Berlusconi, mesmo com uma França chefiada pelo triste Hollande ou uma Espanha chefiada pelo incapaz Rajoy,  mesmo com a Grécia de Samaras, a Europa do sul está finalmente a mover-se, por instinto de sobrevivência.    Sem perder tempo, Lette foi direito à origem do mal:     a Berlim e a Bruxelas.     Ele não fará abalar Angela Merkel nas suas convicções e interesses próprios e não conseguirá também fazer com que Durão Barroso deixe de oscilar conforme o vento, até ficar tonto.    Mas, se conseguir unir o sul e juntar-lhe outros povos acorrentados pelos credores e condenados à miséria, enquanto o norte prospera sobre a ruína alheia, de duas uma:     ou a Europa se reconstrói  como uma livre associação de Estados livres, ou implode às mãos da Alemanha.     Qualquer das soluções é melhor do que esta morte lenta a que nos condenaram.

É claro que nada disto dá que pensar a Vitor Gaspar que vem de outro planeta e para lá caminha, nem a Passos Coelho, que estremece de horror só de pensar que alguém possa desafiar a autoridade da sua padroeira alemã.    Nisso também tivemos azar:   calhou-nos o pior pais para viver esta crise.    Mas este governo vai rebentar, tem de rebentar.    Porque a resposta à pergunta feita acima é não.    Não, um homem sozinho não pode dar cabo de um país com quase nove séculos de história.

(Miguel Sousa Tavares, In Expresso – 4/Maio/2013) (sublinhados deste blogue)


4 comentários:

Anónimo disse...

Eis Portugal, um país que quer endireitar as finanças mesmo que todo o lucro público seja privatizado e toda a dívida privada seja tornada pública por meia dúzia de senhores que jogam o país como um tabuleiro de monopólio desde o tempo da ditadura.

Cumprimentos

menvp disse...

--->>> O isolamento do ministro das finanças Vítor Gaspar pelos LOBBYS QUE SE CONSIDERAM OS DONOS DA DEMOCRACIA é um 'case study'.
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P.S.
-> Todos pudemos assistir a uma incrível e monumental campanha [nota: a superclasse (alta finança - capital global) controla a comunicação social] no sentido de ridicularizar todos aqueles que eram/são contra o 'viver acima das possibilidades'... ou seja, ridicularizar todos aqueles que eram/são anti-endividamento excessivo; um exemplo: no passado, Manuela Ferreira Leite foi ridicularizada por ser uma ministra anti-deficit-excessivo; e mais, chegam a retratar o contribuinte alemão (que recusa ser saqueado) como novos fascistas/nazis...
-> O discurso de qualquer 'cão/gato' anti-austeridade tem logo direito a amplo destaque... [nota: a superclasse controla a comunicação social].
--->>> Um afrouxamento no controlo rigoroso das contas públicas (fim da austeridade)... proporciona oportunidades para a superclasse... isto é, ou seja, com tal afrouxamento, a superclasse (e suas marionetas) passam a poder 'CAVAR BURACOS' sem fim à vista: BPN's, PPP's, SWAP's, etc...
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P.S.2.
-> Depois de 'cozinhar' o caos... a superclasse aparece com um discurso, de certa forma, já esperado!... Exemplo: veja-se a conversa do mega-financeiro George Soros: «é preciso um Ministério das Finanças europeu, com poder para decretar impostos e para emitir dívida»
-> Como o contribuinte alemão está firme... o mega-financeiro George Soros defende agora um Euro sem a Alemanha... para... PROLONGAR O FESTIM proporcionado por países a endividar-se excessivamente (países a viverem acima das suas possibilidades).
Nota: a firmeza do contribuinte alemão (não cedendo à pressão exercida internacionalmente...) é fundamental para salvar a Europa!!!
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P.S.3.
-> Aumentar as penas de prisão... não é solução: : a superclasse (alta finança - capital global) está dotada da capacidade de conduzir Estados à bancarrota... e... nenhum Estado falido possui a capacidade de implementar um sistema prisional eficiente!
-> O contribuinte tem de actuar a montante: quem paga (vulgo contribuinte) deve ter acesso a mecanismos de fiscalização cada vez mais eficazes das contas públicas... ou seja... é necessário uma campanha para motivar os contribuintes a participar... [nota: votar em políticos, sim, mas... não lhes passar um 'cheque em branco']... leia-se: para além do «Direito ao Veto de quem paga» (ver blog «fim-da-cidadania-infantil»).... é urgente uma nova alínea na Constituição: o Estado só poderá pedir dinheiro emprestado nos mercados... mediante uma autorização expressa do contribuinte - obtida através da realização de um REFERENDO.

Anónimo disse...

Portugal dará a volta por cima como tem feito desde que existe, a questão é se vamos levar tanto tempo, como no tempo dos Filipes de Espanha (a UE de hoje) Nessa altura como agora muitos " nobres" asquerosos e gananciosos lixaram D. António Prior do Crato, pq pensavam ir ganhar com isso, mas foi só depois de pouco a pouco virem a ser substituídos e roubados pelos espanhóis que começaram a acordar e a revoltarem-se. Ou seja esperemos que estes traidores, e estúpidos começem a perceber que vão ser substituidos ou aniquilados qd já não forem precisos e aí finalmente revoltam-se. Esperemos é que não demore 60 anos...

José Manuel Madeira disse...

A incapacidade de governação, desta coligação demonstra uma total falta de resposabilidade, autoridade para permitir que um ministro das finanças como este depois de ter apresentado dois orçamentos de estado chumbados, de todos os objetivos, metas tenham sido imcumpridas ainda se mantenha no poder, apresentando medidas de austeridade maiores e mais duras, algumas novamente inconstituicionais, só com Cavaco na Presidência da República.