A CULPA...
Desculpa lá qualquer coisinha, ó Passos.
A culpa da crise, do descalabro, da austeridade, é nossa e muito nossa. A culpa é de quem andou a viver acima das suas possibilidades. A culpa é de quem, embora ganhando um salário muito inferior aos praticados na maior parte da Europa "comunitária", viveu faustosamente e achou que tinha a crescer no quintal, na varanda, na banheira, vigorosa e inesgotável, uma gigantesca árvore das patacas.
A culpa da crise, do descalabro, da austeridade, é nossa e muito nossa. A culpa é de quem andou a viver acima das suas possibilidades. A culpa é de quem, embora ganhando um salário muito inferior aos praticados na maior parte da Europa "comunitária", viveu faustosamente e achou que tinha a crescer no quintal, na varanda, na banheira, vigorosa e inesgotável, uma gigantesca árvore das patacas.
A culpa é dos velhos, que teimam em não morrer e que recebem pensões demasiado
generosas. A culpa é dos doentes, que teimam em tratar-se. A culpa é dos
estudantes, que teimam em querer ser alguém na vida. A culpa é dos funcionários
públicos, essa turba de madraços. A culpa, já se sabe, é do Sócrates que
inaugurou, em 6 curtos anos, estradas para nenhures, centros culturais, pontes,
estádios, rotundas, empresas públicas, empresas satélites do Estado, empresas
autárquicas, fundações e demais instituições que sempre souberam vir comer à
mesa do orçamento.
A culpa é de quem anda a culpar Oliveira e Costa, Duarte Lima
ou Dias Loureiro pela cratera do BPN. A culpa é de quem anda a culpar a banca,
os especuladores financeiros, os mercados, as bolsas, os ricos que estão cada
vez mais ricos para que os pobres, felizardos, fiquem cada vez mais pobres. A
culpa é de quem anda a culpar a Alemanha que, como toda a gente sabe, e se não
sabe devia saber, foi vítima de duas grandes guerras no século passado que se
viu forçada, coitada, a provocar.
A culpa é também do Tribunal Constitucional e,
em última instância, das leis e da democracia, que vos não deixam governar à
vontade, decretar o aumento de quaisquer impostos que vos dê na real gana, o
roubo de quaisquer salários que queiram surripiar, a redução de quaisquer
direitos que achem exagerados, o corte de quaisquer serviços dedicados à causa
pública. A culpa não é - definitivamente, não é - nem tua, nem do Gaspar, nem do
Portas, nem do Relvas, nem de nenhum dos santos desse altar a São Bento, onde
milhões de velas bruxuleiam, tantas quantas os portugueses atingidos, muitos já
de morte, pelas vossas medidas.
Os vossos esforços para salvar o capital são
meritórios. O povo que pague a crise. Ou não tivéssemos andado, bem entendido, a
viver como nababos, esbanjando o vosso rico dinheirinho, nunca o nosso, em bens
supérfluos como supérflua é a nossa vida, somos gente reles e indolente, carne
para canhão, meros parafusos da máquina de produzir dinheiro, os novos escravos
do século XXI.
Desculpa lá qualquer coisinha, ó Passos. Tens razão em
desprezar-nos. As tuas mais-valias são outras. O teu futuro sorrirá. Fora de
Portugal, esta eterna piolheira.
(Texto de Manuel Cruz)
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