quarta-feira, 30 de março de 2011

Sócrates - um fugitivo que tenta agora escapar às responsabilidades!!!

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A retórica dos fugitivos

A última sessão do Parlamento no fim da I República acabou sem quórum.   Tal era o descrédito da casa, que os deputados resolveram não comparecer.   A última sessão do Parlamento 'ontem' (23/3), no fim de Sócrates ou no princípio do fim de Sócrates, acabou quase sem Governo.   As sumidades da governação eclipsaram-se. Sócrates saiu de cena logo que Teixeira dos Santos acabou de falar.   E Teixeira dos Santos nem se dignou ouvir Manuela Ferreira Leite.   Ambos assumiram o registo de provocação constitucional em que têm vivido há muito tempo e que usaram para esconder o PEC IV da Assembleia, do Presidente, dos parceiros sociais, de toda a opinião pública.   Foi de propósito.   Ambos desejaram ter este fim.

Participar no debate com os deputados sobre o novo PEC era uma responsabilidade elementar do primeiro-ministro.   O seu poder deriva do Parlamento.   O seu dever é ouvir; e ouvir críticas, censuras, condenações, é também uma forma de ser responsabilizado.   Mas como esperar responsabilidade de um governo e de um primeiro-ministro que aproveitaram a oportunidade do PEC IV para precisamente falsificarem e manipularem a responsabilidade pelo fracasso da sua governação?

Convém estarmos atentos ao que se está a passar.   Muita manipulação e desinformação se prepara. Sócrates, como de costume, está a tentar o seu próprio branqueamento por ter conduzido o país para a bancarrota.   Tornou-se um fugitivo que procura escapar pela única frincha que as circunstâncias permitem, atirando o ónus do que aí vem, da crise, da intervenção externa - como se o país não estivesse há muito tempo em crise - para os seus sucessores.   O seu pedido de demissão é uma fuga, um artifício para torpedear a possibilidade de os portugueses o responsabilizarem.

É disto que se trata.   Mas quem é que deverá ser responsabilizado por este momento crítico senão Sócrates?   Quem é que nos governou nos últimos seis anos?   Quem é que escondeu a situação real das contas públicas, quem contra todos os avisos e ameaças persistiu cegamente no erro e na mentira?   E não foi Sócrates que apresentou PEC sucessivos com a colaboração do principal partido da oposição, ao mesmo tempo que não os cumpria?   Não foi Sócrates que, dizendo agora "ou nós ou o FMI", finge que Portugal já tem recorrido à ajuda externa do Banco Central Europeu?   Não foi Sócrates que atiçou a desconfiança dos mercados, expropriando Portugal da sua liberdade e independência?

Tem sido esta a admirável estabilidade de Sócrates.   E é desta mesma estabilidade que ele agora se proclama curador.   Entre uma estabilidade destrutiva e uma clarificação urgente, há alguém que não prefire a clarificação?   Era assim que tudo fatalmente acabaria.   Com um primeiro-ministro acossado e em fuga, recorrendo a todos os truques para falsificar a sua responsabilidade, vitimizando-se, e com um PS domesticado e desesperado por salvar o que resta.

Quem quiser perceber a manobra fugitiva de Sócrates que leia um texto do cientista político espanhol José Maria Maravall "Responsabilidade e manipulação" (está disponível na Internet).   O caso estudado por Maravall é a conduta do PSOE espanhol nos anos 80.   Para manipular o processo de responsabilização política pelos eleitores, os media foram apertados;   escondeu-se informação relevante que permitisse acompanhar o Governo;   falsearam-se os resultados das políticas governamentais;   o partido começou a viver com férrea disciplina e centralismo para aparecer artificialmente unido na crise, culpou-se a oposição pelo que fez e não fez;   o Governo apresentou as suas políticas como necessárias e inevitáveis.
Sócrates abraçou em absoluto esta retórica da manipulação da responsabilidade.   É a sua única saída.  
A responsabilidade não é dele, é de outros.   A crise não é dele, é de outros.   Muito haverá para dizer sobre este período deletério que Sócrates encarna na nossa política.  
Um dia perguntaremos como foi possível.

(Pedro Lomba, in Público em 2011-03-24)
 (Imagens e sublinhados colocados por mim)

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