domingo, 3 de março de 2013

LIXO... «Um "ACORDO" inútil. Suspenda-se de imediato»

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1. Enquadramento da matéria

Discute-se a aplicação do acordo ortográfico de 1990 (AO90).   Este surgiu após várias tentativas goradas de unificação da ortografia de Portugal e do Brasil, desde o início do século passado.   Uma dessas tentativas conseguia uma unificação de praticamente 100% e mesmo assim não foi seguida por ambas as partes.

Ao fim de quase um século de deriva gradual, tentou-se então uma vez mais regressar à quimérica “unificação” com o AO90.   Esta não só não é conseguida com o presente “acordo” como as alterações propostas não colhem a aceitação dos especialistas.   Nem do lado de cá nem do lado de lá do Atlântico.   Daí que chamar-lhe “acordo” seja um abuso.   Este facto foi olimpicamente ignorado e prosseguiu-se na aplicação cega de uma completa inutilidade, recorrendo-se por diversas vezes nesta história a expedientes, no mínimo, duvidosos (para não lhes chamar uma verdadeira batota, de que é exemplo icónico o II Protocolo Modificativo) para levar esta empreitada em frente, sem que daí advenha qualquer vantagem para os utilizadores da língua.

Bastariam algumas questões elementares:

– Vem resolver alguma coisa?  (Não)

– Serve para alguma coisa?   (Não)

– Melhora a situação anterior?   (Não)

Não deveria ser preciso mais do que isto para ser evidente que o AO90 é um absurdo inútil, mas continuemos para os pontos seguintes.

2. Objectivos do Acordo Ortográfico

Unificação da língua:   não acontece

Simplificação da língua:   não acontece

Evolução da língua:   não acontece

3. Vantagens decorrentes da aplicação do Acordo Ortográfico

Não há.

4. Inconvenientes e problemas resultantes da aplicação do Acordo Ortográfico

a)  As “soluções” encontradas pelo AO90 para “resolver” as diferenças ortográficas podem sintetizar-se em:

- admissão de facultatividades naquilo que é irresolúvel (na prática, não só não resolve nada como aumenta a confusão)

- referência à “forma consagrada pelo uso” sem que esteja definido em lado nenhum o que está consagrado pelo uso e o que não está;   além de que quem está a aprender a língua não tem forma de adivinhar isso

- referência à “norma culta” (conceito já completamente ultrapassado) sem que esteja registada foneticamente em lado nenhum essa dita norma culta

- convergência do Pt-Br para o Pt-Pt: alteração de acentos/trema e hífenes

- convergência do Pt-Pt para o Pt-Br: alteração de acentos e hífenes, amputação de letras

- para obedecer ao critério da fonética, inventam-se formas novas para o Pt-Pt que, pasme-se, desunificam ao invés de unificar

- afirma-se reiteradamente a máxima de que “o que não se pronuncia não se escreve”, mas depois não se aplica: basta pensar em todas as palavras começadas por “h”, ou em todos os casos de “u” mudo a seguir ao “q”;   afinal é para seguir a fonética ou não?

b)  Com o AO90, há uma perda de informação irrecuperável.   Isto é comprovado pelo facto de não existir um “anti-Lince” que reponha o português na forma correcta (sem AO90).   Tal não é possível porque se perde, por exemplo, a distinção entre formas verbais de tempos diferentes (compramos/comprámos, chegamos/chegámos), a distinção entre “pára” e “para” e tantos outros exemplos.   É sempre possível passar de um texto sem o AO90 para um texto com o AO90, mas o inverso não é verdadeiro.

Desta perda de informação decorre uma menor clareza na leitura, ou seja, na transmissão da mensagem para o receptor.   Isto não é bom, útil ou minimamente desejável.   Os defensores do AO90 parecem centrar-se nas (alegadas) vantagens da escrita, esquecendo-se daquilo que é mais importante num texto escrito:   a sua leitura.

c)  Afirma-se que o AO90 “simplifica” a língua e ao mesmo tempo permitem-se duplas (ou quádruplas ou múltiplas) grafias, o que é uma contradição à própria noção de ortografia.   Ou seja, se, em vez de saber sem qualquer dúvida como se escreve “caracterizámos”, temos, em vez disso “caracterizámos/caraterizámos/caracterizamos/caraterizamos”, em que medida é que isto constitui uma simplificação?   Dir-se-ia antes que ficou quatro vezes mais complicado. Chamar a isto “ortografia” é um abuso.

d)  Com o AO90, em vez de assegurar a sobrevivência da língua, o que se está a verificar na prática é a contribuição para a extinção a passos largos do português de Portugal.   Com o AO90, este já está a ser completamente eclipsado, por exemplo, em qualquer pesquisa na Internet e desde logo em inúmeros “sites” de acervo e/ou repositório (a Wikipedia, por exemplo).   Experimente-se pesquisar “material elétrico” sem especificar que queremos páginas de Portugal e veja-se o que acontece.   Repita-se a experiência com “material eléctrico”.   Em que é que isto pode ser bom para as empresas portuguesas?

e)  Com o AO90, para “aproximarmos” o português de Portugal (Pt-Pt) do português do Brasil (Pt-Br), afastamo-lo das restantes línguas europeias;   não se vê qualquer vantagem daí decorrente, nem para os portugueses que queiram aprender outras línguas nem para os estrangeiros que queiram aprender português.   Qualquer professor competente consegue explicar as diferenças entre o Pt-Pt e o Pt-Br sem que isso constitua um obstáculo intransponível para quem aprende.   (Continua a ter de explicá-las, em qualquer dos casos, porque, mesmo que a ortografia ficasse igual – que não fica – a sintaxe e a semântica continuam a ser diferentes.)

a)  O AO90 altera, sim, a forma como as palavras se pronunciam.   Ouve-se até à exaustão o argumento da pharmácia/farmácia para justificar a “evolução” da língua, mas esses defensores do AO90 esquecem-se de que ao passar de “pharmácia” para “farmácia” não se alterou absolutamente em nada a forma como a palavra era lida.

Ao passar de “fraccionar” para “fracionar” altera-se, sim, inegavelmente, a leitura da palavra.   Ou de “espectador” para “espetador”, para dar um exemplo mais conhecido...

f)  Com o AO90, continua a ser necessário haver duas traduções, uma para o Brasil e outra para os restantes países de língua oficial portuguesa.   A necessidade de duas versões diferentes era apresentada como um dos principais motivos para a indispensável e propalada “unificação”.   Continua...  exactamente na mesma.

g)  Por causa do AO90, já houve gastos inúteis e incompreensíveis, nomeadamente no ensino e na administração pública, com a “nova” “ortografia”.   Mais grave ainda porque foram feitos sem que esta tivesse sido sequer definida com rigor (provavelmente porque é impossível definir-se com rigor aquilo que assenta em "regras" que o negam à partida).

h)  O documento de base do AO90 contém erros, ambiguidades, incongruências e parte de premissas falsas.   Contém opiniões (tão válidas como quaisquer outras...) e nem um único estudo científico que sustente o que é afirmado.   Há, pelo contrário, e como se sabe, muito mais pareceres negativos do que positivos (estes, aliás, no singular... porque só há um).   Além de isto ser academicamente inacreditável, um documento assim não tem qualquer credibilidade.   Não pode servir de base a coisa alguma e muito menos à ortografia de mais de duzentos milhões de pessoas.

h)  Uma vez que as “regras” do AO90 são sobretudo a consagração das excepções, há um fenómeno evidente de sobrecorrecção e de total confusão por parte de quem escreve.   Se muitas pessoas escrevem com o AO90 (em muitos casos, unicamente porque a isso são obrigadas), isso deve-se sobretudo ao facto de ser possível carregar num botão para transformar a ortografia automaticamente e não tanto porque saibam efectivamente aplicar a “nova” “ortografia” (uma vez mais, como saber aplicar aquilo que não tem regras claras?).   Isto, na prática, corresponde a um inegável analfabetismo funcional.

i)  Com o AO90, em vez de uma unificação, temos uma multiplicação de ortografias.   Em vez de Pt-Pt e Pt-Br, temos:   Pt-Pt, Pt-Br, AO90-Pt, AO90-Br e ainda o uso de critérios diferentes para o estabelecimento daquilo que se considera ser o AO90 em Portugal e no Brasil...   variações deixadas ao critério de cada um, porque o documento de base não é claro ou é omisso nas diversas possibilidades.   Porquê esta falta de clareza e esta omissão?   Porque as “soluções” apresentadas são uma farsa que na prática não resolve nada.

5. Proposta que apresenta

Suspensão imediata da aplicação do Acordo Ortográfico de 1990.   Obrigar milhões de pessoas a alterar a sua ortografia sem que isso sirva para alguma coisa de válido é de uma falta de senso indescritível.

Em vez de uma “unificação” ortográfica reconhecidamente impossível a esta altura, promovamos o intercâmbio cultural, científico e de oportunidades de trabalho entre todos os países de língua oficial portuguesa.   Reforcemos o ensino de Português no estrangeiro em vez de fecharmos leitorados.   Não é preciso unificar a ortografia para fazer nada disto e seria muito mais eficaz para a promoção da língua no mundo.   Existem mecanismos democráticos mais do suficientes para anular este erro colossal:   uma iniciativa legislativa de cidadãos pela revoção da RAR 35/2008  (o instrumento que forçou a entrada em vigor do AO90) ou uma iniciativa legislativa dos próprios deputados para o mesmo efeito.

6. Outras questões

Este acordo ortográfico não resolve nenhum dos alegados “problemas” que pretendia “solucionar”.   Baseia-se, além disso, num paradoxo fundamental:   procura unificar a língua utilizando ao mesmo tempo um critério, o da fonética, que torna automaticamente impossível a referida unificação, dadas as variadíssimas cambiantes de pronúncia entre os milhões de falantes da língua.   Partindo de premissas erradas é impossível chegar-se a conclusões correctas.   Ou válidas.

O AO90 nega a real evolução da língua portuguesa, fazendo de conta que esta não existiu.   A verdade é que o português de Portugal e o português do Brasil já se afastaram (sim, irremediavelmente – admitamo-lo de uma vez por todas) e estas duas variantes já não voltam a ficar iguais, nem que por acaso o AO90 conseguisse unificar a ortografia (que não consegue).   Não pode designar-se como “evolução”esta proposta lamentável e inútil de ortografia “unificada”.

Em conclusão, o “acordo” “ortográfico” de 1990 não é sério e não pode ser levado a sério. Suspenda-se de imediato a sua aplicação.
 
(Contributo de H. Castro - Lisboa)

(Fonte:  Fórum de Debate - Assembleia da República)


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