sábado, 18 de junho de 2011

Trichet e Ackermann - como dois banqueiros conduzem a Europa à ruína

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Como dois banqueiros conduzem a Europa à ruína

(Por Jérôme E. Roos;   texto publicado originalmente em ROAR)


Durante um ano, o Deutsche Bank e o Banco Central Europeu fizeram-nos acreditar que o que se passa na Grécia seria desastroso para a Europa. Estavam a mentir com quantos dentes têm na boca.

Em Frankfurt, dois dos homens mais poderosos da Europa sentam-se, virtualmente, um de cada lado da rua, nos arranha-céus sede de duas das mais importantes instituições no continente.   Ninguém elegeu estes homens para que governem sobre nós.   Ninguém votou nas suas instituições para que ditassem a nossa política económica.   No entanto é o que fazem.

Apresentamos Jean-Claude Trichet e Josef Ackermann.   O primeiro é o líder do Banco Central Europeu, está de saída, e foi recentemente considerado pela Newsweek uma das cinco pessoas mais importantes do mundo.   O segundo é o líder do maior banco privado da zona euro, o Deutsche Bank, e foi recentemente considerado pelo New York Times "o banqueiro mais poderoso da Europa".   Nenhum deles foi eleito para liderar a economia.   No entanto, juntos é o que fazem.

De facto, ambos têm sido decisivos na definição da resposta a dar pela União Europeia à grave crise da dívida que contínua a assombrar a zona euro.   Como noticiou o Times numa poderosa análise, o senhor Ackermann "encontra-se no centro do círculo mais concêntrico do poder, mais do que qualquer outro banqueiro do continente".   De facto, ele aconselha regularmente políticos e decisores políticos sobre os assuntos económicos mais candentes do momento:   a latente crise da dívida grega;   a crescente tensão entre economias europeias fortes, como a Alemanha, e as mais fracas como a Irlanda e Portugal;   e o futuro da Europa como união económica e monetária e esse grande e expressivo empreendimento, o euro.

Ao mesmo tempo, nota o NYT, Ackermann é também "possivelmente o mais perigoso" banqueiro na Europa.   Afinal, "não é segredo onde estão as alianças financeiras do senhor Ackermann:   nos bancos".   Por exemplo, Ackermann "tem insistido que seria um grave erro proporcionar algum alívio à dívida Grega".

Qual seria o problema da reestruturação da dívida da Grécia?   A Argentina e o Equador demonstraram amplamente na última década que a reestruturação da dívida soberana pode, na verdade, libertar o país das medidas de austeridade e inibidoras do crescimento impostas por líderes estrangeiros, permitindo uma mais rápida recuperação, enquanto as necessidades e preocupações internas são acauteladas.

Mas, claro, temos de nos recordar que o senhor Ackermann não é um observador neutral.   Existe uma agenda por detrás do seu discurso apocalíptico.   O Times nota apropriadamente que "os bancos europeus, incluindo alemães como o Deutsche Bank, detêm muitos milhões de euros nas obrigações financeiras do governo grego e os bancos perderiam bastante se essas dívidas fossem reestruturadas".
No entanto, como conseguiu Ackermann convencer Merkel, Trichet e outros líderes da UE que a reestruturação da dívida grega levaria a uma situação como a da Leman Brothers?   “A solução da Europa para a Grécia é, essencialmente”, segundo o senhor Ackermann, “mais dinheiro de resgate e mais austeridade”, uma estratégia que alguns analistas admitem que permita apenas ganhar tempo sem oferecer nenhuma esperança de recuperação.

Assim, cego pela sua própria ganância e indisponibilidade para assumir responsabilidades pelos empréstimos irresponsáveis concedidos pelo seu banco e que se relacionam com a criação da crise, Ackermann apenas agrava a crise.   Alerta de modo alarmante para a probabilidade do aumento das consequências desastrosas e a Europa está paralisada.   Os nosso dirigentes compraram a mentira.   Porquê?

Uma das razões para o sucesso de Ackermann é o facto de ter tido, durante a crise, o apoio dos seus vizinhos do Banco Central Europeu.   Desde que a Grécia se afundou no abismo dos mercados de capital globais no início do ano passado, Jean-Claude Trichet, o presidente do BCE, bajulou cuidadosamente os interesses dos maiores bancos europeus qualificando a reestruturação como "demasiado arriscada".

Não por acaso, o senhor Ackermann parece desfrutar de boas relações com Jean-Claude Trichet.   Quando a senhora Merkel sugeriu que os credores privados assegurem uma parte do fardo, Ackermann opôs-se ao governo alemão e colocou-se ao lado do seu amigo, o senhor Trichet, argumentando que contra reestruturação da dívida grega porque forçaria os investidores - e os bancos - a “partilhar as dores da Grécia”.

Hoje, a maioria dos especialistas em economia - quer da esquerda quer da direita - chegaram à conclusão que a Grécia é insolvente.   Simplesmente não pode, realisticamente, reembolsar a sua dívida esmagadora enquanto a economia continuar a contrair-se em resultado das medidas de austeridade prescritas por Ackermann e Trichet.

Até o governo alemão e o presidente da zona euro, Jean-Claude Juncker, falam agora na chamada "reestruturação suave" da dívida grega.   Mas o BCE recusa-se a financiá-la.   Se esta atitude de teimosia era previsível por parte do interessado Deutsche Bank, pelo contrário, é surpreendente num suposto agente "neutro" como o BCE.

Então porque continua o BCE a opor-se à única e real solução para a crise da dívida grega?   Porque é que continua a empurrar a Grécia, e com ela toda a zona euro, para o abismo?   É apenas porque Trichet e Ackermann e companhia são amigos próximos?   Ou passa-se mais alguma coisa?

Claro que se passa.   Trichet cometeu o seu maior erro no ano passado quando decidiu ficar ao lado do seu amigo Ackermann ao opor-se o início da reestruturação da dívida.   Em vez de permanecer na sua objectividade neutral enquanto líder do BCE, Trichet envolveu-se directamente na crise da dívida grega:   começou por comprar grande quantidade de obrigações gregas através de mercados secundários só para permitir que a Grécia ficasse à tona e assim evitar que bancos e investidores europeus tivessem de fazer corte de cabelo.

Como resultado, já não são só os bancos privados europeus mas é também o seu Banco Central que estão afundados até ao pescoço na crise grega.   Por outras palavras, a reestruturação grega já não prejudicaria apenas os bancos privados;   forçaria Trichet a assumir grandes prejuízos na folha de balanços do BCE a escassos meses de passar a pasta a Mario Draghi.

É altura de os dirigentes europeus acordarem para a dolorosa realidade que tem sido ignorada durante todo este tempo.   A Europa não enfrenta uma crise da dívida soberana, como Ackermann e Trichet nos querem fazer crer.   Na realidade, a Europa enfrenta uma crise financeira no seu sector bancário. Não apenas a Grécia, Portugal e a Irlanda, mas a maioria dos grandes bancos europeus estão insolventes.

Pior ainda, o facto de os líderes europeus, para enfrentar a crise da dívida grega, terem permitido um resgate no ano passado agravou os problemas.   O BCE está em risco de se tornar, por agora, a maior "vítima" da crise financeira global.   Com uma exposição de mais de 440 mil milhões de euros nos países periféricos, perdas patrimoniais de 4.25% podiam conduzir o BCE à insolvência.

De acordo com uma reportagem de “Open Europe”, pesadas perdas para o BCE já não são um risco remoto.   Mesmo com mais resgates da UE e do FMI é pouco provável que a Grécia saia da crise nos próximos anos, o que também deitaria abaixo os bancos do país.   Calcula-se que as perdas resultantes para o BCE estejam entre 44 500 milhões de euros e 65 800 milhões de euros, o que equivale a activos entre 2,35 e 3,47 por cento, isto é, por pouco não acaba com o capital base do BCE.

A única forma de esconder da população esta terrível realidade tem sido continuar os resgates aos países periféricos e impor medidas de austeridade draconianas.

Durante a crise, os muito apregoados mitos sobre a preguiça da Grécia e os comportamentos laxistas nos países do Sul apenas serviram como pretexto para distrair os contribuintes alemães da verdade incontornável de que são eles que estão a resgatar os seus próprios bancos.   A raiva dos populistas do norte tem sido dirigida directamente contra os trabalhadores em luta no sul enquanto quem beneficia são os banqueiros.

Na verdade, os contribuintes da Europa nunca resgataram a Grécia, Portugal ou a Irlanda.   Resgataram o senhor Ackermann e os seus amigos.   E em breve serão igualmente chamados a resgatar o senhor Trichet.   E, suprema das ironias, a mentira inicial de que a reestruturação da dívida grega traria consequências desastrosas para a Europa foi repetida tantas vezes que se transformou em realidade.   Se tivéssemos agido há um ano e meio para permitir à Grécia uma reestruturação da dívida, a falência financeira teria sido limitada.


Mas agora que o BCE está seriamente exposto, o alarmismo de Ackermann transformou-se numa profecia auto-cumprida.  
Permitamos então que esta singela verdade seja revelada a todos:   ainda estamos a viver sob uma ditadura do capital financeiro na qual dois banqueiros têm o poder de configurar a nossa realidade.   E até que afrontemos esses banqueiros e nos levantemos para quebrar a sua ligação invisível estaremos a ser firmemente conduzidos à ruína.

(In BEInternacional, 14/6/2011)

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