sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

«Eles não têm coragem para me prender»





Depois de sucessivos escândalos a escapar por entre os pingos da chuva, as pessoas foram-se habituando à impunidade de Sócrates


Uma frase proferida por José Sócrates em conversa telefónica com o seu amigo Carlos Santos Silva, pouco antes de ser detido - «Eles não têm coragem para me prender», é duplamente reveladora.   Em primeiro lugar, parece ser uma admissão de culpa:   Sócrates não diz que está inocente, diz é que os juízes não serão suficientemente corajosos para o meter na cadeia.   Uma pessoa que se sinta inocente não faz, em princípio, uma afirmação destas.   Por outro lado, Sócrates mostra-se possuído por um sentimento de 'impunidade'.   Acha-se colocado num tal pedestal, detentor de um tal estatuto, que ninguém ousará deté-lo.   Mas donde virá esta  sensação de impunidade?

Julgo que não apenas Sócrates a interiorizou, mas muitos portugueses.   Depois de sucessivos escândalos que terminaram sempre da mesma maneira, com o ex-primeiro ministro a escapar por entre os pingos da chuva, as pessoas foram-se habituando.   «É mais um escândalo de que ele se vai safar» - pensavam.

Depois das dúvidas, suspeições, trapalhadas e coisas mal explicadas existentes nos casos da Cova da Beira, dos mamarrachos, do diploma, do Freeport, do Face Oculta, do Taguspask, etc. - nos quais o nome de Sócrates aparecia sempre envolvido e que acabavam sempre em águas de bacalhau, a suspeição relativamente ao ex-primeiro ministro banalizou-se.   Perante cada novo caso, os amigos encolhiam os ombros e os inimigos já não acreditavam que Sócrates viesse a ser criminalizado.   Era como na fábula de Pedro e o Lobo.   E quando a detenção chegou, foi uma surpresa para quase todos.

Escrevi por diversas vezes que Sócrates é «o Vale e Azevedo da política» e sempre admiti que, tal como o ex-presidente do Benfica, havia fortes hipóteses de ele vir a ser detido depois de deixar o cargo.   Porquê?  Porque eu tinha a quase certeza que a corrupção estava lá – só faltava descobri-la.

Assim, quando José Sócrates saísse cle S. Bento e os responsáveis da Justiça, Pinto Monteiro e Noronha do Nascimento, fossem substituídos, era muito provável que a verdade viesse ao de cima.   E assim aconteceu.

(José António Saraiva - extracto de artigo publicado no SOL – 02/01/2015)


1 comentário:

Anónimo disse...

Será que José António Saraiva também previu que no Face Oculta iam ser condenados inocentes? Aliás, para o qual ele contribuiu.
Então leiam isto tirado do acórdão. Confirmem se quiserem, é público (e há lá mais destas).
Pág 2636 - A pena do Contradanças
"Apesar da sua anti-juridicidade, os factos praticados por José Contradanças, comparativamente com os levados a cabo por outros, em termos de ilícito de corrupção, estão próximo dos limites mínimos da gravidade, sendo certo que se tratava de um Administrador de uma empresa pública (a “IDD”). Há ainda a considerar a menor intensidade do dolo, além de que não recebeu qualquer contrapartida de Manuel Godinho, nem este obteve adjudicações por seu intermédio. Assim, não possuindo antecedentes criminais e ponderando ainda as circunstâncias enunciadas, considera-se ajustado fixar a pena seguinte: - a pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão, pela prática de um crime de corrupção passiva para acto ilícito, previsto e punido pelo artigo 372.º, n.º 1, do Código Penal (Parte IV)."