ESPECTÁCULO DEPRIMENTE
A pretexto
dos swaps, Governo, PSD e PS tem dado um espectáculo deprimente e que
seria apenas ridículo se não revelasse a completa falta de sentido de estado
no tratamento da coisa pública. Não
há palavras, é uma pura mesquinhice e mais um acto na desagregação da coisa
pública: governantes sem vergonha, que são corridos em circunstâncias que, como
de costume, desconhecemos na sua verdadeira dimensão; uma coligação a disparar cada qual para o
seu lado após as juras de fidelidade da semana passada; papéis eventualmente "construídos",
mesmo que a partir de documentos verdadeiros; revelação de documentos confidenciais do
estado para marcar pontos num futebol político de quinta categoria. Vale
tudo.
A questão dos
swaps e o modo como são constituídos os governos e os altos cargos de
nomeação ministerial na área económica e financeira, assim como o recurso
sistemático à consultadoria externa, revelam um aspecto não discutido daquilo
que deveria ser uma verdadeira “reforma do estado”. E os efeitos fáceis e custosos para todos
nós da demagogia com o estado e com a função pública.
O que seria natural numa
administração pública moderna é que ela pudesse fornecer à decisão política
todos os elementos necessários, quer técnicos, quer de informação, quer de
cenários para as decisões, ao mais alto nível sem recursos exteriores por
regra. Isso significava exactamente aquilo que se
está hoje a destruir: uma função
pública independente do poder político, na tradição do civil service
inglês, o que significa uma garantia mais sólida do emprego do que no privado,
e uma remuneração competitiva com o sector privado ao mais alto nível.
Isto, em conjunto com o reforço de escolas
especializadas em administração pública, e com carreiras definidas e
estabilizadas, em que haveria lugar no estado para bons engenheiros,
arquitectos, administradores, economistas, gestores, que pudessem ter como
vocação o serviço público. Todos os países que se desenvolveram na
Europa deram um particular atenção á criação desta “alta” administração e por
isso estão menos dependentes quer dos boys incompetentes, quer dos
interesses representados pela transumância entre consultoras, escritórios de
advogados, bancos e lóbis nacionais e internacionais. Na
prática, o que aconteceu foi a partidarização e a privatização da
"alta" administração pública, as duas coisas ao mesmo tempo.
Não é
perfeito, como nada é perfeito, e é verdade que existe nas burocracias uma
tendência natural para a Lei de Parkinson, mas, pelo menos, evitava esta
promiscuidade que os swaps, as PPPs, os contratos de contrapartidas na
área da defesa, etc., revelam.
O problema dos swaps ajuda a
revelar uma questão muito mais importante e decisiva para o nosso futuro
democrático: a da captura do estado
pelo sistema de interesses económico-financeiros. Este
sistema ultrapassa as separações partidárias e desloca-se de governo em
governo, de partido em partido, desde que estes tenham acesso ao poder. As PPPs e os contratos swap são uma
manifestação dessa captura.
E, claro,
que também é um problema de pessoas. Há um pequeno grupo de pessoas que circula
dos bancos e das consultoras financeiras, dos escritórios de advogados e dos think
tanks das universidades mais conservadoras, de instituições europeias
congéneres, para os governos, ocupando, em particular, os lugares chave das
secretarias de estado, das assessorias, das comissões ad hoc e grupos de
estudo, dos lugares de consultores nos ministérios. Algumas vezes assumem funções não remuneradas
e “patrióticas”, mas a remuneração que recebem reflete-se em prestígio,
currículo e na ascensão dentro desta elite, no próximo lugar, esse sim bem
remunerado. Garantem sempre os melhores contratos estatais para as suas
consultoras, escritórios, bancos, empresas, muitas vezes sem qualquer concurso
público, por ajuste directo ou convite privilegiado, são quadros indispensáveis
pelos seus “conhecimentos” e pela circulação nos meios políticos.
Circulam também por dezenas de
Conselhos de Administração, Conselhos Fiscais, Comissões de Remuneração,
Comissões de Supervisão, nalguns casos concentrando literalmente dezenas e
dezenas de lugares numa só pessoa. Deve-se isso
á sua particular competência? Nalguns
casos, sim. Mas, como se vê quando as
suas carreiras ficam menos protegidas e são mais escrutinadas, em muitos casos
não se trata de competência. Há apenas
um traço comum do seu papel, esse sim sólido e consistente, - são “confiáveis”.
(José Pacheco Pereira, in ABRUPTO)
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