Da Grécia à Itália, passando pela Irlanda, por Portugal e pela Espanha, a zona do euro a partir de agora está em brasa.
Os Estados não param de contrair empréstimos a juros cada vez mais altos e os contratos de seguros sobre as dívidas, quer sejam públicas ou privadas, vêem o montante dos seus prémios a evaporar-se. O euro está a morrer. Tudo isto estava previsto há vários meses, ou mesmo há vários anos. Mas nem Cassandra se alegraria por ver realizarem-se as suas previsões. Compreendemos que a morte do euro, dada a casmurrice imbecil dos nossos dirigentes e dada a sua incapacidade de prever uma saída organizada – o que, aliás, ainda seria possível actualmente - nos condena muito provavelmente a um salto no desconhecido.
A História medirá a responsabilidade dos nossos governos que, por ideologia, por conformismo e por vezes por cobardia, deixaram a situação degradar-se até ao irreparável. Registará também a enorme culpa dos que, nas capitais nacionais como Bruxelas ou Frankfurt, procuraram impor à socapa uma Europa federal através da moeda única a povos que não a queriam. Agora não é apenas o euro, essa construção manca e deformada, que agoniza. É também um certo conceito da Europa.
A vitória provisória dos "cabritinhos", daqueles que, para retomar a célebre frase do general de Gaulle, se afastam gritando - "a Europa! a Europa!" - saltando por cima das cadeiras, é paga hoje a um preço muito alto. Se não quisermos regressar a uma Europa do conflito "de todos contra todos", teremos que reaprender os princípios da coordenação entre nações soberanas, que são os berços da democracia, sobre as ruínas duma cooperação que quiseram construir sobre o desprezo da opinião dos eleitores. A crise actual salda ao mesmo tempo os erros duma financiarização até às últimas consequências, desejada simultaneamente pela direita e pela esquerda parlamentares, e o erro político que foi o tratado de Lisboa e a negação da democracia que se seguiu ao referendo sobre o projecto de tratado constitucional em 2005.
Com efeito, mal os nossos governantes têm a sensação de ter arranjado um remédio, mesmo que temporário, para um dos países, já a crise se precipita sobre outro. Os bancos europeus estão pois no centro do ciclone e sofreram pesadas perdas quanto à sua capitalização desde o início do mês de Agosto de 2011. A incerteza quanto à sua solvabilidade não pára de subir. Está à medida do erro, e é um eufemismo, que foi praticado no início da Primavera de 2011, dizer que os "testes de resistência" (ou stress tests ) realizados na época omitiram nas suas hipóteses integrar um possível incumprimento de um país da zona euro. Estamos a pagar caro esse erro! É provável que ele torne inevitável uma nacionalização temporária, parcial ou total, dos nossos sistemas bancários.
Depois da Grécia, a partir de agora condenada ao incumprimento e a uma desvalorização, e esvaída em sangue por uma repetição insensata de planos de austeridade que foi denunciada pelo economista do [banco] Natixis, são a Itália e a Espanha que dão sinais de fraqueza. Na Itália, apesar da multiplicação de planos de austeridade, a dívida não pára de aumentar enquanto a maré do desemprego sobe inexoravelmente em Espanha. Quanto a Portugal, mergulha numa crise sem saída e a própria França está a ser posta em causa.
Até os cépticos mais empedernidos devem reconhecê-lo no âmago do seu coração. Para além da crise de cada país, que se explica por razões específicas de cada vez, para além da crise de governação da zona do euro, certamente previsível mas exasperante entre a Alemanha e a França, é mesmo a divisa única, o próprio euro, que está em crise.
Na verdade esta crise era previsível há muitos anos, porque os defeitos estruturais da zona do euro eram notórios e bem conhecidos dos economistas, incluindo os partidários do euro. Os desequilíbrios induzidos pela moeda única abriram caminho no seio das economias dos países da zona do euro. Se a crise de 2007-2008 deu um impulso decisivo à crise do euro, convém dizer que esta só estava à espera de uma grande desordem da economia mundial para se revelar.
Esta crise tornou-se uma realidade no Verão de 2009 quando a acumulação das dívidas atingiu um limiar crítico na Grécia, na Irlanda e em Portugal. No Verão de 2011, sofreu uma reviravolta dramática que prova que o processo está a piorar. De resto, podemos constatar o aumento da fadiga do euro, bem perceptível, quer seja nas opiniões públicas, onde a partir de agora temos uma maioria de pessoas que se pronunciam contra uma ajuda suplementar à Grécia, quer no seio dos governos onde a partir de agora se revela o desânimo.
Esta crise também se combina com as inquietações suscitadas pela situação nos Estados Unidos. A perda para este país da sua nota AAA prova que ele não saiu da crise dos chamados subprimes. Além disso, as suas perspectivas de crescimento são muito fracas. O primeiro país a sofrer a crise de 2007 não reencontrou uma dinâmica sã de desenvolvimento e afunda-se lentamente numa crise dupla de endividamento do Estado federal e das famílias. As reacções dos países emergentes, liderados pela Rússia e pela China, face à política monetária seguida por Washington, são cada vez mais vigorosas.
A concomitância destas crises contribui no entanto para obscurecer o seu sentido. Mascara em particular o que a crise na zona do euro tem de específico e os efeitos da moeda única que a agravam. Mas faz-nos lembrar que, num mundo de finanças globalizadas, há laços estreitos que unem os diferentes problemas. Se o euro vier a desaparecer, será o dólar que se encontrará na primeira linha face à especulação internacional que se desencadeará. Apostamos que não tardará nada a soçobrar.
São numerosos os que pensam que a crise do euro agrada aos dirigentes americanos. Enganam-se redondamente. Um euro enfraquecido politicamente mas presente, concentrando ainda durante vários anos a atenção dos especuladores internacionais e travando o desenvolvimento das economias europeias, é uma situação muito melhor para os dirigentes de Washington. É por isso que estes multiplicam as iniciativas para forçar a mão dos países europeus e para que seja posto em acção um novo plano de salvamento da Grécia.
Assim, por razões tão diversas quantos os países envolvidos, os dirigentes dos dois lados do Atlântico afirmam a sua vontade de defender o euro. Mas os factos são casmurros! E quando os menosprezam, vingam-se.
Os argumentos distorcidos de uns e de outros, os advogados pro domo de políticos acossados, as subtilezas num calão pseudo-técnico em que se deliciam os burocratas de Bruxelas não alterarão nada. A moeda única europeia, que esteve na origem de tantas esperanças, não cumpriu nenhuma das suas promessas. Hoje morre por causa do fracasso do projecto político que lhe deu vida, o "federalismo furtivo", por causa da divergência das dinâmicas económicas dos países membros, divergência essa exacerbada pela política da Alemanha.
O que é infinitamente mais grave que a morte do euro na sua forma actual é que o próprio princípio de coordenação monetária corre o risco de morrer com ele. E hoje coloca-se a questão: será possível salvar este princípio de coordenação do desastre que aguarda o euro, com o que isso implica de flexibilidade para cada país e de cooperação entre países?
(Por Jacques Sapir) (Ler o artigo completo em Resistir.info)
1 comentário:
Excelente texto. A melhor coisa a fazer se não tivessemos traidores no governo, era a preparação da saída do euro que combinando se possível com mais países seria também excelente para combater o tal federalismo encapotado. Esse sim seria a morte da Europa e do ue ela trouxe de bom à humanidade. Foi com a sua diversidade e concorrência que evoluiu e não com este gigantesco " cambão" feito pelos poderosos da Europa que dividiram e decidiram as economias do continente como lhes dava jeito, isto com a conivência dos fracos e ou traidores corruptos de cada país. A nós coube-nos ser uma espécie de INATEL da Europa, o turismo / saude, etc....é claro que se houver crise nada disto dá de comer ao povo, e os que queriam vir para cá usufruir da nossa miséria também se vão dar mal.
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