Portugal assistiu ontem a um evento raro. O Banco de Portugal
tentou convencer o país, — e o mundo financeiro —, da suficiência de um
programa de resolução para o Banco Espírito Santo. Uso a expressão “tentar
convencer” sem segundas intenções: sendo a confiança o elemento essencial na
relação entre os clientes e o sistema bancário, o trabalho de um banqueiro
central é sempre um trabalho de persuasão.
Como tal, só o tempo poderá dizer se o esforço de persuasão
de hoje funcionou ou não. Se nos próximos dias os depositantes do antigo Banco
Espírito Santo, agora crismado de Novo Banco, não forem alarmados por novos
esqueletos no armário, pode ser que o banco central consiga superar a primeira
prova deste exercício de alto risco. O resto é bem mais complicado e compete ao
governo; cá estaremos para ver se poderá cumprir-se a promessa de o caso BES
não contaminar a dívida pública e não prejudicar os contribuintes portugueses. A divisão do BES entre “banco mau” e “banco bom”, com todas as complexidades e
incertezas que ela oculta, torna tudo isto muito duvidoso.
O governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, foi forçado
a admitir que a gestão do Banco Espírito Santo foi muito pouco católica: nos
últimos tempos, e provavelmente bem antes disso, a administração do banco, e do
grupo familiar em que ele se inseria, incorreram numa série de fraudes e
ocultações. Depreende-se claramente do que disse Carlos Costa que haverá
responsabilidades criminais a apurar. (podemos acreditar nisso???...)
Apesar do nome do “banco bom”, Novo Banco, ser uma ingénua
tentativa propagandística para fazer crer às pessoas de que estamos a entrar
num tempo de fazer tábua rasa, as fraudes do Banco Espírito Santo não têm nada
de novo.
E é aí que houve algo de ainda mais extraordinário naquele
momento extraordinário. Carlos Costa confessou a inoperância das entidades
reguladores perante o capitalismo financeiro conforme ele funciona hoje. As
fraudes do Banco Espírito Santo não têm nada de novo: basicamente, dependem da
utilização de jurisdições ocultas, empresas-veículo em paraísos fiscais, e um
carrossel de operações entre todas elas.
O sistema continua tão opaco quanto
sempre. Nada mudou. E o governador do banco central confirmou que só quando o
banco estoura é que se consegue levantar a ponta do véu. A podridão do império
BES ainda está por descobrir.
Posto desta forma, Carlos Costa não disse mais do que dizem
todos os grandes críticos do capitalismo actual. Só o disse de forma menos
clara. Os velhos vícios continuam intactos por debaixo dos “novos bancos”.
Há maneira de acabar finalmente com isto. Separar bancos de
investimento de bancos tradicionais. Obrigar os bancos europeus a revelarem
tudo o que fazem as suas subsidiárias. Legislar, ao nível da União Europeia, no
mesmo sentido dos EUA com a sua lei FATCA, que obriga todas entidades fiscais,
coletivas ou individuais, a declararem os activos que detêm fora da sua
jurisdição de origem. E, finalmente, criar uma unidade especial de investigação
ao crime financeiro e económico, sediada no Banco Central Europeu ou na
Europol.
Tudo isto pode ser conseguido, mas não pelos governos que
temos hoje.
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