quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Um povo imbecilizado e resignado...



Decorria o ano de 1896, catorze anos antes da Implantação da República, que Guerra Junqueiro escreveu o livro “Pátria”. Uma das suas obras mais polémicas e que é um ataque à dinastia de Bragança, na figura de D. Carlos:

«O estado é o rei. Cidadão há um único: D. Carlos. Os deveres são nossos, os direitos, dele. (...) A justiça é um relógio que ele atrasa, adianta ou faz parar, segundo lhe dá na vontade. Decreta a lei e nomeia o juiz. O parlamento é o seu capricho.»

«Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta.»

«Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta até à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados na vida íntima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira à falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro.»

«Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; (...) A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas.»

«Liberdade absoluta, neutralizada por uma desigualdade revoltante, o direito garantido virtualmente na lei, posto, de facto, à mercê dum compadrio de batoteiros, sendo vedado, ainda aos mais orgulhosos e mais fortes, abrir caminho nesta porcaria, sem recorrer à influência tirânica e degradante de qualquer dos bandos partidários;»

Tudo isto escreveu Guerra Junqueiro um século atrás... no apodrecer da Monarquia e no dealbar de uma República em que todos depositavam as melhores esperanças.
Haveria de ser por este estado de coisas que, catorze anos mais tarde, se haveria de implantar a República, tal era o descontentamento geral do povo e dos políticos, dos intelectuais e dos militares.
Mas... tal estado de coisas nunca se alterou com a implantação da República! Antes se agravou até ao que dele conhecemos hoje.

Hoje, tal como há um século atrás, nada se alterou, nem o povo nem os políticos. Principalmente estes!
Eça de Queiroz haveria de escrever mais tarde: -"Os políticos e as fraldas devem ser mudados com frequência, e pela mesma razão!"
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